A actualidade política continua a ser marcada, naturalmente, pelo Informe Anual sobre a Situação Geral da Nação, apresentado na última quarta-feira, 20 de Dezembro, pelo Presidente da República, Filipe Nyusi. Na memória colectiva, fica mais vincada a particularidade de o Chefe de Estado ter sido importunado de início ao fim pela Bancada Parlamentar da Renamo, mas um outro aspecto curioso marca a passagem de Nyusi pela “Casa do Povo”: mais uma vez, recorreu a ambiguidades para evitar dizer se o Estado da Nação é bom ou não. Tem sido assim desde 2015.
Texto: Dossiers & Factos
A leitura, na semana finda, do informe sobre a Situação Geral da Nação pode ter sido atípica, por conta da inédita atitude da Bancada Parlamentar da Renamo, cujos deputados decidiram sabotar o Presidente da República por via de murmúrios, cânticos e vaias. No entanto, há um aspecto que o aproxima das anteriores ocasiões. É que, mais uma vez, Nyusi voltou a não dizer se o Estado da Nação é bom ou mau.
Em vez disso, preferiu afirmar que “Moçambique criou bases para crescer nos próximos anos como um Estado competitivo, sustentável e inclusivo”. Nyusi reiterou as perspectivas económicas para 2024, que apontam para um crescimento de 5%, indicando, de seguida, os factores que poderão ditar tal crescimento.
“Esta tendência [de crescimento da economia] será impulsionada pelo vigor da indústria extractiva (…), a capacitação dos corredores rodoviários, a mobilidade rodoviária e aérea, o desenvolvimento do turismo, os ganhos do programa [agrário] Sustenta e a atracção de investimentos produtivos na indústria e pesca”.
Contudo, o facto de a Nação ter “bases sólidas para crescer” foi insuficiente para que o Estado moçambicano voltasse à normalidade e pagasse o 13º salário aos Funcionários e Agentes do Estado. Filipe Jacinto Nyusi apenas anunciou um subsídio – ainda que ele o trate como 13º ordenado – correspondente a 30% do salário base, a ser pago nos meses de Janeiro e Fevereiro do próximo ano. No ano passado, lembre-se, os Funcionários e Agentes do Estado, que passam por tempos tenebrosos desde a introdução da Tabela Salarial Única (TSU), não recebem 13º.
Nove anos sem que o estado da Nação seja “bom”
Desde que ascendeu ao poder, em 2015, nunca o estado da Nação moçambicana foi bom, pelo menos a avaliar pelos informes anuais apresentados pelo Presidente da República na Magna Casa.
Ao longo dos seus mandatos – está a um ano de concluir o segundo e último, à luz da Constituição da República – não há memória de Nyusi ter afirmado de forma categórica que o estado da Nação seja bom. Verdade, porém, é que também nunca assumiu ser mau.
Ao invés disso, o Chefe de Estado recorre sistematicamente à adopção de frases ambíguas para classificar o seu trabalho e dos seus subordinados no Executivo. 2015, na primeira vez que se fez ao pódio do Parlamento para apresentar a radiografia do País, é capaz de ser o único ano em que a avaliação do Presidente esteve perto da objectividade, visto que assumiu claramente que não estava “satisfeito” com a situação do País, ainda que se gabasse do trabalho realizado.
“Estaríamos contentes se tivéssemos resolvido definitivamente os problemas básicos da pobreza, da exclusão e da paz”, justificou-se.
No ano seguinte, 2016, Filipe Nyusi voltava à Assembleia da República para afirmar que o “Estado da Nação mantém-se firme rumo ao desenvolvimento”, vincando uma capacidade maior de dar resposta aos desafios presentes e futuros.
Talvez já tivesse em mente o que diria em 2017, quando classificou o Estado da Nação como “desafiante, mas encorajador”. “Os desafios são enormes e não se colocam apenas ao Governo, mas a cada um de nós. A preservação da paz, a democracia e o desenvolvimento económico dependem do contributo de cada cidadão”, disse o Presidente, num ano em que celebrou o fim das hostilidades militares com a Renamo e lamentou a eclosão dos ataques terroristas na província de Cabo Delgado, que persistem até aos dias actuais.
Já em 2018, Nyusi disse que o Estado da Nação é “estável e inspira confiança”, antes de encerrar o seu primeiro mandato, em 2019, com a frase “o Estado da Nação é de esperança e um horizonte promissor”.
Esperança e optimismo: os traços comuns nas frases de Nyusi
Ainda que nunca tivesse colocado a Nação em “bom estado” durante o quinquénio 2015-2019, a verdade é que Filipe Nyusi mereceu a confiança dos moçambicanos para continuar a segurar o leme do País. Por isso mesmo, regressou ao Parlamento no ano seguinte, 2020, para afirmar que o Estado da Nação é de “de resposta inovadora e de renovada esperança”.
Esperança e optimismo são, de resto, estados de alma que perpassam as frases de Nyusi ao longo do segundo mandato, ainda que nem sempre apareçam explicitamente nos discursos oficiais.
É o que se pode constatar da frase final de 2021, altura em que o Presidente classificou o Estado da Nação como sendo de “auto-superação, reversão às tendências negativas e conquista da estabilidade económica”. O mesmo pode ser dito da linha “a situação geral da Nação é de estabilização e de renovado optimismo” com que o Presidente classificou o ano 2022.