Então, sabemos todos que na região Sul de Moçambique, sobretudo para os que professam o cristianismo, existem dois tipos de casamento – o tradicional, mais conhecido por lobolo, e o oficial, que é aquele em que o Estado declara duas pessoas do sexo oposto como casadas, havendo muitos casos em que há o terceiro, que é o religioso.
Hoje vamos tratar da questão cultural do casamento tradicional, neste caso o lobolo, que para muitas famílias desta região do País é o mais importante para a garantia do sucesso, paz e harmonia entre o casal. É que são muitos os mitos que existem com relação a esta cerimónia, sobretudo quando o noivo não a cumpre na totalidade.
Lobolo é um tipo de casamento em que, diferentemente do religioso e do civil, as normas são ditadas pelos pais da noiva, nomeadamente o que deve ser feito ou trazido pelo noivo para a referida cerimónia. Aliás, depois do pedido, que em ronga chama-se “kubuta”, em que o noivo se vai apresentar à família da noiva como sendo o oficial namorado dela, a seguir a família – pais da noiva – elabora uma lista das necessidades para o casamento tradicional – lobolo.
Da referida lista não pode faltar dinheiro, roupas da noiva, dos pais, da tia paterna, dos avós dela, havendo inclusive famílias que cobram até gado bovino.
Do lado do noivo, há uma tradição que também era ou devia continuar a ser observada, nomeadamente garantir que o dinheiro e todos os bens preparados para esta cerimónia fiquem a noite toda na casa dos pais do noivo, onde orações ou outra forma tradicional de pedido de bênção é feita na noite que antecede o dia do lobolo.
Nesta parte, pretendo contar o abandono progressivo destas culturas, sendo que, nos últimos tempos, a “civilização” altera os princípios que antes eram observados à risca. Olha que existe quem defenda que os casamentos feitos nos últimos tempos não duram para a eternidade devido ao abandono de certos ritos que culturalmente foram seguidos pelos nossos antepassados, incluindo a geração que vai até a década de 70/80.
Recentemente, fui convidado a integrar duas equipas que iam lobolar. Quando assim acontece, a tarefa se revela espinhosa, contrariamente ao que acontece com a equipa que é indicada pela parte da família da noiva para receber os mandatários do noivo. O que vi nas duas equipas é autêntica vergonha.
Na família 1, as capulanas, lenços das tias, avós e mãe da noiva foram comprados no mesmo dia do lobolo e entregues à comitiva lá mesmo, na rua, enquanto seguiam viagem em direcção à sograria. Isto é, pode se dizer que este noivo não seguiu aquilo que culturalmente era feito nas famílias em caso deste tipo de cerimónias.
Ainda nesta mesma comitiva, registe-se que o dinheiro do lobolo foi levantado ao longo do caminho junto aos agentes de M-pesa e E-mola. Confesso que foi uma experiência inédita que me suscitou confusão na minha cabeça.
Na outra comitiva, o noivo não ia lobolar, mas, sim, ia se apresentar e lá devíamos levar connosco a caixa de cervejas, refrigerantes, 5 litros de vinho tinto e uma garrafa de vinho branco, para além de algum valor para cobrir as lacunas criadas pelos anfitriões que complicam tudo menos nada.
Até este ponto, estava tudo bem, mas, no final desta missão, era esperado o noivo, que vinha para almoçar com a noiva, visto que já era oficial. Esperava-se que, como era comum, ele chegasse com um buquê de flores para oferecer à noiva, uma “aliança” que não seja de ouro para simbolizar o acto de pedido, mas isso não aconteceu.
Aliás, e para terminar, não houve bolo, razão pela qual foram inventadas manobras para se justificar a falta do mesmo, alegando-se que a pessoa encarregue de fabricar o bolo faltou com a palavra e isso só foi descoberto na última hora.
Prontos, são assuntos da modernidade que, paulatinamente, vão corroendo o tecido social, atacando os hábitos culturais e, quem sabe, talvez sim contribuam para as más relações de casamento que hoje em dia vivemos.