Há três semanas que Israel bombardeia ininterruptamente a Faixa de Gaza, na Palestina. Estas acções, diz o governo de Tel Aviv, constituem resposta ao ataque relâmpago do grupo Hamas, protagonizado no dia 07 de Outubro, causando mais de mil vítimas mortais. No entanto, a flagrante desproporcionalidade da alegada réplica, associada aos discursos supremacistas dos governantes israelitas, leva a crer estar-se em presença da reedição do holocausto com actores diferentes.
Texto: Amad Canda
As imagens de milhares de palestinos a invadirem o centro de ajuda humanitária das Nações Unidas para obter itens básicos, especialmente alimentos, revelam o carácter cruel do regime de Benjamim Netanyahu. Para eliminar o grupo de milícias Hamas, Israel aposta despudoramente em duas estratégias: Intensos e indiscriminados bombardeamentos e cerco total ao enclave de Gaza, privando a população de absolutamente tudo. Tudo mesmo. Desde água, luz a alimentos.
O resultado, sem espanto, é catastrófico. Actualização feita no último domingo, 29 de Outubro, pelas autoridades de Saúde em Gaza, dava conta de pelo menos 10 mil mortos vítimas dos bombardeios. Mais de 500 resultam do horrendo ataque aos Hospital Al Ahly – o mais antigo da região -, acto que Israel quis, cinicamente, imputar ao Hamas apresentando como prova, pasme-se, um vídeo do ano passado.
Limpeza étnica com requintes hitlerianos
10 Mil mortos em pouco mais de 21 dias já é, de per si, prova provada de que o objectivo de Israel é mais do que eliminar o Hamas, grupo visto no ocidente como terrorista e no resto do mundo como força de resistência à colonização sionista. É cada vez mais cristalino que o propósito é promover limpeza étnica na Faixa de Gaza, a qual, provavelmente, e segundo estimam analistas, seguir-se-á a anexação.
Se as assustadoras estatísticas, embora categóricas, ainda deixam dúvidas, os próprios governantes israelitas tratam de as dissipar, e os registos são abundantes. Comecemos pelo chefe do Governo, para quem “nós [israelitas] somos o povo da luz e eles [palestinos] das trevas”. “Nós transformaremos Gaza numa Ilha de ruínas”, assevera Netanyahu, em tom sádico.
Destruição total é o evangelho mais pregado por aqueles que se arrogam povo legítimo de Deus (quem não o é?) e isso é notório até nas palavras do presidente Isaac Herzog, quando defende que “não há civis inocentes em Gaza”, uma cidade com cerca de dois milhões de habitantes, dos quais apenas cerca de 40 mil compõem as fileiras do Hamas.
Israel parece pretender fazer agora o que não fez antes. É a ideia que transborda do discurso do seu ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, quando garante que “vocês [palestinos] só estão aqui por erro, porque Bem Gurion [antigo primeiro ministro] não terminou o trabalho de vos expulsar em 1948”.
À la Hitler, a retórica supremacista e desumanizadora do “outro” – na circunstância dos palestinos – é uma característica comum entre os dignitários israelitas, não tivesse o ministro da Defesa, Yoav Gallant, os classificado como “animais”, como que a parafrasear o veterano de guerra Erza Yacin, para quem os referidos “animais” não deviam ter o direito de viver.
No afã de dizimar completamente os palestinos, numa saga que lembra o holocausto de que eles próprios foram vítimas em tempos da Alemanha nazi, os judeus ousaram votar contra a resolução das Nações Unidas que impõe cessar-fogo imediato, ao lado dos seus padrinhos – Estados Unidos da América – e de outros 12 países.
O estímulo ao anti-semitismo
Habituado a vencer a guerra das narrativas, o ocidente, que desta vez decidiu apoiar o invasor (Israel) e não o invadido (Palestina), está a deparar-se com uma surpresa desagradável. A empatia de que os judeus gozaram durante largos anos, em solidariedade face às perseguições de que foram vítimas, parece estar a derreter-se qual gelo exposto à radiação solar.
Ao contrário do que seria de esperar, até em função do que sucede em relação ao conflito entre Rússia e Ucrânia, desta vez a esmagadora maioria parece “arregimentada” pela causa palestina, como o comprovam as marchas de apoio até nas principais cidades ocidentais.
Mais do que isso, a prepotência de Israel começa a despoletar uma onda de anti-semitismo com potencial para tirar sossego ao seu próprio povo. A invasão ao aeroporto de Daguestão – uma das várias repúblicas da Federação da Rússia – por centenas de cidadãos que procuravam por judeus é um aviso a não ser ignorado.
*Extraído da edição 535 do Dossiers & Factos