– Chapo precisará de ‘fato-macaco’ à altura
O Governo moçambicano tem-se esforçado, a vários níveis, para garantir a retoma em pleno do projecto Mozambique LNG, liderado pela TotalEnergies, na Área 1 da Bacia do Rovuma, em Cabo Delgado. Ao mesmo tempo, porém, crescem as oposições ao projecto. Por exemplo, nos Estados Unidos da América (EUA), alguns sectores exigem que o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, em inglês) inviabilize a aprovação do financiamento pelo ExIm Bank. Paralelamente, no continente europeu, a participação do Ruanda na guerra do Congo é invocada como pretexto para suspensão do financiamento a este projecto de gás moçambicano.
Texto: Amad Canda
Nos últimos dias, fez notícia a suspensão dos trabalhos das empresas subcontratadas pela TotalEnergies na Península de Afungi, que alimentavam a esperança de uma rápida retoma do projecto Mozambique LNG, em linha com a promessa feita pelo CEO da petroquímica francesa, Patrick Pouyanné, em Janeiro último, aquando da sua reunião com o Presidente da República, Daniel Chapo.
Em causa está a suposta dificuldade de mobilizar fundos complementares para a retoma definitiva do projecto, ora suspenso em 2021, quando a gigante francesa activou a cláusula de “força maior” por razões de segurança. Mas, também, por detrás dessa suposta dificuldade, tal como apurou Dossiers & Factos, pesa a mudança política que aconteceu nos EUA, mormente a nova ascensão de Donald Trump.
“América First” e possível intervenção de Musk
O Banco de Exportação e Importação dos EUA (ExIm Bank) aprovou, em 2020, um empréstimo de USD 4,7 mil milhões para o projecto, ao todo orçado em USD 20 mil milhões, números que o colocam como o maior investimento privado no continente africano. No entanto, o agravamento da situação de segurança em Cabo Delgado, no ano seguinte, e a consequente saída da TotalEnergies, levou ao “congelamento” das verbas, estando o seu desbloqueio refém de uma nova aprovação.
Entretanto, e não obstante a notável melhoria das condições de segurança naquela província, a braços com o terrorismo, afigura-se cada vez mais difícil o desbloqueio dos fundos a curto ou médio prazo, devido ao crescimento das alas que se opõem ao financiamento, pelo ExIm Bank, dos projectos de gás natural no exterior dos EUA.
O rosto mais visível dessa oposição, pelo menos nos últimos tempos, é o Wall Street Journal, um dos órgãos de comunicação social mais influentes dos EUA, que no seu editorial publicado no dia 27 de Fevereiro, insta o DOGE a deitar definitivamente por terra o financiamento, argumentando que a sua aprovação contraria a vocação do ExIm Bank, que é “apoiar exportações norte-americanas e tornar os produtos dos EUA mais competitivos globalmente”.
Mais do que isso, o jornal nova-iorquino entende que a viabilização do financiamento beneficiaria uma empresa estrangeira – TotalEnergies – criando concorrência para os EUA, por sinal o maior exportador deste recurso energético. Ademais, o artigo, intitulado “A Total Subsidy That Needs DOGE – Um subsídio para Total que precisa do DOGE”, sustenta ainda que uma eventual (re)aprovação do financiamento vai na contramão da grande linha orientadora do governo de Donald Trump – America First (América Primeiro) – à luz da qual Washington tem estado a suspender centenas de projectos no exterior.
Ruanda serve como um dos pretextos
As más notícias para Moçambique não vêm apenas dos EUA. No continente europeu, também está a crescer a pressão sobre os governos do Reino Unido e Países Baixos, potenciais co-financiadores do projecto, para que reconsiderem a razoabilidade de viabilizar a exploração do gás moçambicano, e um dos argumentos arrolados envolve o principal parceiro de Moçambique no combate ao terrorismo – Ruanda.
O facto é que, como tem sido amplamente noticiado nos últimos tempos, Kigali apoia o grupo M23, que está a mover uma guerra contra o poder estabelecido na República Democrática do Congo (RDC), tendo já conquistado duas importantes cidades, nomeadamente Goma e Bukavu, capitais das províncias de Kivu do Norte e Kivu do Sul, respectivamente.
Neste contexto, crescem na Europa vozes que questionam se faz sentido que os Países Baixos, por exemplo, que integram a União Europeia (UE), apoiem o projecto (Mozambique LNG) protegido pelo Ruanda, numa altura em que se regista um coro de pedidos de sanções ao regime de Kagame devido às suas acções na vizinha RDC. Recorde-se que a presença militar ruandesa em Cabo Delgado não se restringe às forças governamentais, uma vez que a empresa privada que protege o estaleiro da TotalEnergies também é do Ruanda.
Mais argumentos contra Moçambique
Os argumentos dos opositores do Mozambique LNG não ficam por aí. Numa análise recente, o Instituto de Economia da Energia e Análise Financeira (IEEFA) alerta que, a breve trecho, haverá excesso de oferta nos mercados globais do gás natural, o que resultará na queda dos preços.
Em causa está o surgimento de inúmeros projectos pelo mundo, desde o Qatar a Moçambique, passando pela RDC, Nigéria e Gabão, ao mesmo tempo em que alguns dos maiores importadores de gás aceleram a adopção de energias verdes.
“A ideia de que o GNL será um combustível de ponte que permitirá à China reduzir o seu consumo de carvão não se está a concretizar. A surpreendente taxa de instalação eólica e solar da China e a dependência das importações de gás via gasoduto significam que a demanda do país provavelmente decepcionará os exportadores de GNL”, escreve o IEEFA.
Chantagem para pagar menos?
Enquanto isso, em Moçambique, há sectores que acreditam que a suposta dificuldade de desbloquear as verbas necessárias para viabilizar o ambicioso projecto de Afungi faz parte de uma manobra de pressão do consórcio liderado pela TotalEnergies para forçar uma renegociação do contrato em termos mais favoráveis para as empresas. Curiosamente, também o Presidente moçambicano manifestou vontade de renegociar contratos de megaprojectos, em 2024, no âmbito da campanha eleitoral para as presidenciais, mas na perspectiva de assegurar mais benefícios para Moçambique, diante da percepção de que os actuais acordos são ruinosos para o País.
“É um aspecto que vamos ter que sentar, ver caso a caso. Há casos que realmente não dá para fazer alguma revisão, mas há casos que vai ter que se fazer, que é para, em função disso, podermos aumentar as receitas do Estado e, com base nisso, podermos desenvolver este nosso Moçambique com mais receitas”, disse Daniel Chapo.
Teorias à parte, o certo é que, para já, a retoma definitiva do Mozambique LNG parece estar mais distante do que já aparentou nos últimos meses, o que constitui um golpe às aspirações de Moçambique, e obrigará Daniel Chapo a vestir “fato-macaco” à altura da diplomacia económica que assegure a efectivação deste projecto que pode alavancar a vida económica de Moçambique.