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QUANDO A BUSCA PELA RIQUEZA APROFUNDA A POBREZA E MATA: Jogos de azar arruínam vidas em Inhambane

Aviator, Premier Bet, Elefante Bet, entre outros, são jogos que, para além de terem empobrecido economicamente a vida de muitos jovens, causaram luto em várias famílias do país e, em particular, da província de Inhambane. As vítimas, na sua maioria, são adolescentes e jovens que, movidos pelo desejo e sonho de ter uma vida de luxo obtida de forma relativamente fácil, investiram todo o seu dinheiro na expectativa de ganhar em dobro – um sonho que nunca se concretizou. O semanário Dossier Económico traz nesta edição a história de jovens que se mostram arrependidos depois de terem perdido tanto dinheiro e que, por pouco, não tiraram as suas próprias vidas.

Texto: Anastácio Chirrute, em Inhambane

São tantas as vítimas que, depois de perderem muito dinheiro nos jogos de azar, tiveram um fim trágico. Suas famílias (pais, irmãos, esposas, filhos e sobrinhos) ficaram de luto. Outras, por ironia do destino ou sorte, tentam recomeçar a vida do zero, pagando dívidas aos bancos ou mesmo aos agiotas, dívidas estas contraídas na expectativa de ganhar mais dinheiro e se tornarem mais bem-sucedidas.

Aviator, Premier Bet, Elefante Bet e Forex são exemplos de alguns jogos de azar que desgraçaram ou continuam a desgraçar a vida de muitas famílias que hoje tentam se conformar com a situação. As vítimas, na sua maioria, são adolescentes e jovens que, movidos pelo desejo e sonho de se tornarem ricos de forma fácil, recorreram aos bancos e aos agiotas para contrair dívidas acima das suas capacidades, apenas para alimentar o vício. Deram como garantia suas casas, carros e outros bens. Consequentemente, algumas vítimas, para evitar serem cobradas pela dívida, acabaram por se suicidar.

“Gastava 1000 a 2000 meticais por dia”

Afonso Nhassengo, de 23 anos, vive na cidade da Maxixe e foi um dos jogadores mais assíduos do Aviator por mais de um ano. É um dos exemplos de quem gastou muito dinheiro e hoje se mostra muito arrependido, tentando refazer sua vida. Ele conta que foi por causa da má influência de amigos que se tornou um viciado em jogos de azar.

Diariamente, gastava em média mil a dois mil meticais e, em cada aposta, sempre investia 100 ou 200 meticais. “Eu já gastei quase 100 000 meticais, dinheiro suficiente para comprar um terreno e começar uma obra”, faz as contas, arrependido, o jovem que chegou até a abdicar de se alimentar por conta do vício.

De resto, seus esforços para alimentá-lo era enorme, de tal sorte que, quando o dinheiro acabava, não se coibia de vender seus pertences para continuar a jogar.

Pôr fim a vida para fugir das dívidas

Apesar dos esforços empreendidos por vários sectores, incluindo o Governo, e a sociedade para desincentivar os jogos de azar, quem já está neste caminho tem muita dificuldade de sair. Que o diga Anabela Dimane, residente no distrito de Massinga, que sentiu na pele a dor de perder um ente querido por causa do Aviator.

A vítima era seu irmão mais velho, que, mal soube da existência dos jogos de azar, tornou-se viciado e até recorreu aos agiotas para contrair uma dívida que nunca conseguiu pagar. Para fugir da dívida, decidiu suicidar-se.

“Hoje fazem cinco meses que perdemos o nosso irmão. Ele suicidou-se por causa do Aviator, contraiu uma dívida aos agiotas que superava o seu salário e não partilhou com ninguém aqui em casa. Tentamos pedir para ele parar de jogar, mas ele não aceitava, dizia que assim que recuperasse o dinheiro, pararia. Mas nunca parou, pelo contrário, perdia mais dinheiro. Aqui em casa, nem sei dizer quantas coisas ele já vendeu para conseguir dinheiro para jogar o Aviator. Meu irmão era uma pessoa muito comportada e que não se deixava levar por falsas tentações, mas quis o destino que ele tomasse aquela decisão. Encontramos ele pendurado com uma corda no pescoço dentro do seu quarto. Quando vi aquela imagem, fiquei muito chocada. Meu irmão ainda tinha muitos caminhos por trilhar. Infelizmente, nunca mais voltarei a vê-lo”, conta Anabela Dimande, com ar claramente consternado.

De Massinga, recuamos um pouco para o distrito de Morrumbene e encontramos outra vítima: Dércio Guambe, de 30 anos de idade. É comerciante e vende amendoim e feijão-manteiga em grandes quantidades, importados das províncias de Tete e Zambézia. Ele conta que, por pouco, não estaria debaixo da terra e teria deixado vários sonhos para trás.

“Se me perguntar que diabo me havia entrado para gostar tanto do Aviator, não serei capaz de responder, pois mesmo eu, até agora, ainda me pergunto o que tinha acontecido comigo. É um jogo de azar mesmo, aquilo é que se chama diabo. Minha vida estava em perigo, vivia com medo. Cada vez que eu gastava dinheiro, minha consciência me pesava muito. Não me lembro das vezes que pensei em me matar como forma de evitar dívidas, porque já não tinha como pagar. Alguns fornecedores tiveram de ir queixar-se no tribunal porque eu não estava conseguindo pagar a dívida. Hoje estou livre do vício e, aos poucos, vou tentando pagar a dívida e refazer a minha vida.”

Sonhos destruídos

Nelson Matsimbe devia estar a frequentar o segundo ano da faculdade este ano, mas preferiu trocar a escola pelos jogos de azar. Levava todo o dinheiro que os seus pais enviavam para pagar as mensalidades e jogava, na expectativa de multiplicar o dinheiro para atender outros vícios. No ano passado, estava quase a concluir o primeiro ano quando descobriu o vício e começou a não frequentar as aulas, ficando mais tempo trancado no quarto a tentar a sorte.

Arsénia Simbine, por sua vez, era casada e muito feliz ao lado do seu marido, mas tudo foi por água abaixo. Tem cicatrizes causadas pelos jogos de azar e perdeu o homem com quem viveu mais de 20 anos. Os problemas começaram em Outubro do ano passado, quando o seu esposo começou a jogar e levava quase todo o seu salário para os jogos, deixando de dar atenção à família.

“Para piorar, nos dias em que ele não tinha dinheiro, ia aos agiotas pedir emprestado. Eu só me espantava ao ver pessoas virem à minha casa, mostrando a documentação da casa e tudo mais. Nunca me passou pela cabeça que o meu marido estava se endividando. Só percebi quando, três meses depois, as mesmas pessoas vieram cobrar a dívida e nos ameaçaram dizendo que, caso não pagássemos, teríamos que entregar a casa. Tentei conversar com meu marido para entender o que ele tinha feito com o dinheiro, mas ele não se abria comigo. Ele vivia mais traumatizado, em casa já não havia paz, brigávamos quase todos os dias. Um dia, quando saí para o mercado e voltei, encontrei meu esposo sem vida, pendurado no nosso quarto.”

Voltar a jogar é algo que Dércio e Nelson, à semelhança de tantas outras vítimas, nunca mais pensam em fazer. Por isso, apelam aos jovens que ainda pensam em entrar nesses jogos para que nunca tentem e aos que já estão jogando para que parem imediatamente e definitivamente, focando suas vidas em outras coisas mais interessantes. “Os jogos de azar não trazem nenhum benefício, apenas doenças e morte,” conclui Dércio.

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