A intolerância política em Moçambique vem ganhando proporções gigantescas com o advento das redes sociais, onde acusações, insultos e até incitação à violência se tornaram comuns. Este fenómeno, anteriormente associado à repressão da oposição pelo partido Frelimo, agora atinge também aqueles que apoiam o partido no poder. Num contexto pós-eleitoral marcado por acusações de fraude, a polarização acentuou-se e as redes sociais tornaram-se um palco de confrontos ideológicos.
Texto: Milton Zunguze
As redes sociais, que poderiam ser um espaço para o diálogo democrático, transformaram-se num meio de difusão de ódio político em Moçambique. Desde a divulgação dos resultados das eleições de 9 de Outubro, diversos internautas expressam, sem qualquer filtro, sua revolta contra figuras públicas associadas ao partido Frelimo. Egídio Vaz, estrategista da Frelimo, tornou-se um dos principais alvos das críticas, com ataques pessoais e ofensas que reflectem a falta de noção dos limites do bom senso.
Numa publicação de 1 de Novembro, Vaz manifestou-se sobre a situação política do país, mencionando a oposição e o candidato Venâncio Mondlane, que lidera protestos contra a alegada fraude eleitoral. As respostas a esta publicação foram imediatas e agressivas, evidenciando a polarização ao ponto de tornar o debate político em Moçambique um terreno hostil.
Cancelamento e perseguição Online
Figuras públicas associadas à Frelimo, como o candidato presidencial Daniel Chapo e o Presidente da República, Filipe Nyusi, também enfrentam o que se pode chamar de “cancela mento” nas redes sociais. As suas páginas são alvo de denúncias em massa, e as interacções dos internautas são marcadas por insultos e desaprovação. Num exemplo recente, quando Chapo felicitou o ex-Presidente, Joaquim Chissano, pelo aniversário, a sua publicação foi inundada de comentários de ódio e pedidos para que reconhecesse a “derrota” nas eleições.
A postura crítica e agressiva direccionada às figuras da Frelimo reflecte um descontentamento acumulado ao longo de anos de exclusão e repressão, agora expresso de forma exacerbada nas plataformas digitais. Mesmo anúncios de inauguração de infra-estruturas, feitos por Nyusi, foram alvo de reacções irónicas e ofensivas, revelando a crescente distância entre o governo e a população.
Do virtual para o real: intolerância nas ruas
A intolerância política não se limita ao ambiente virtual; também se manifesta nas ruas. Em várias cidades, como Chimoio e Maputo, foram registados actos de vandalismo contra símbolos da Frelimo, incluindo a destruição de sedes e outdoors. Pessoas identificadas com o partido enfrentam hostilidade no quotidiano, sendo até expulsas de transportes públicos por usarem camisetas com o logotipo da Frelimo, uma atitude que seria impensável até há poucos anos.
Esses episódios são sinais alarmantes de uma sociedade profundamente dividida, onde a expressão política deixou de ser respeitada e deu lugar a comportamentos extremistas. A polarização atingiu um nível onde o debate político é substituído por confrontos que ameaçam a paz e a coesão social.
Consequências da polarização
A intolerância política em Moçambique tem gerado um clima de medo e insegurança, onde as pessoas evitam expressar publicamente as suas opiniões para não serem alvo de represálias. Essa situação limita a liberdade de expressão e compromete a possibilidade de diálogo democrático, fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade justa e igualitária.
O ressentimento histórico contra o partido no poder que antes se limitava a discursos de oposição, evoluiu para um movimento de rejeição e perseguição activa nas redes sociais. Agora, aqueles que apoiam ou simpatizam com a Frelimo enfrentam retaliações, sendo excluídos de espaços virtuais e até do convívio social em alguns casos.
A ausência de mediação e diálogo
A falta de uma liderança que promova a mediação e o diálogo agrava a situação em Moçambique. Tanto o Governo quanto a oposição mantêm posturas rígidas, fomentando o conflito ao invés de buscar uma solução pacífica. A ausência de um discurso conciliatório contribui para que a polarização continue a crescer, dificultando qualquer tentativa de resolução dos problemas políticos.
A sociedade civil e as organizações de mediação desempenham um papel crucial neste contexto, sendo necessárias campanhas de sensibilização que promovam o respeito pelas diferenças políticas e incentivem o diálogo pacífico. Caso contrário, o país corre o risco de ver as suas divisões aprofundarem-se cada vez mais.
Para enfrentar o desafio da intolerância política, é fundamental que as organizações da sociedade civil assumam uma posição activa. Estas instituições podem actuar como mediadoras, promovendo o entendimento entre as partes e incentivando práticas de convivência pacífica. A criação de espaços de diálogo, onde a população possa expressar as suas frustrações de forma construtiva, é essencial para reconstruir a confiança entre diferentes forças políticas.
Além disso, campanhas de sensibilização para o uso responsável das redes sociais podem ajudar a conter a escalada de violência verbal e física. É necessário que se incentive a crítica construtiva, evitando a difusão de discursos de ódio e desinformação.
O caso do Brasil
O caso de Moçambique não é único. Países como o Brasil enfrentam situações semelhantes, onde a polarização política também domina as redes sociais. A intolerância e o discurso de ódio entre apoiantes de diferentes partidos têm marcado o ambiente virtual brasileiro, especialmente em períodos eleitorais. Lá, as redes sociais tornaram-se uma ferramenta para atacar opositores e espalhar desinformação, criando um clima de tensão e desconfiança.
Em resposta a esse cenário, o governo brasileiro iniciou discussões sobre a regulação das redes sociais. O objectivo é combater a disseminação de notícias falsas e discursos de ódio, promovendo um ambiente mais saudável para o debate público. Entretanto, essa proposta gera controvérsias, pois envolve um delicado equilíbrio entre a protecção da liberdade de expressão e a necessidade de garantir um ambiente seguro para todos os cidadãos.
Propostas de regulação e os desafios para a liberdade de expressão
A proposta de regulação das redes sociais no Brasil levanta questões complexas. De um lado, há o argumento de que é necessário controlar o conteúdo para evitar a propagação de desinformação e discurso de ódio. De outro, críticos temem que tais medidas possam limitar a liberdade de expressão e ser usadas para censurar opiniões divergentes, especialmente no contexto político.
Para evitar esses problemas, especialistas sugerem que qualquer regulação deve ser acompanhada por mecanismos de transparência e supervisão independente. Isso ajudaria a garantir que as medidas não sejam usadas como ferramentas de repressão, mas sim como meios para proteger os direitos dos cidadãos.
A experiência brasileira pode servir de referência para Moçambique, onde a discussão sobre a regulação das redes sociais ainda é incipiente. Com a polarização crescente e o uso das plataformas digitais para fomentar o ódio político, o país poderia considerar a adopção de políticas que limitem o alcance de discursos extremistas e promovam um ambiente mais saudável para o debate público.
No entanto, é fundamental que qualquer medida seja implementada com cautela, respeitando a liberdade de expressão e evitando que a regulação se transforme em censura. Moçambique pode aprender com os erros e acertos de outros países para encontrar uma solução equilibrada que preserve os direitos dos cidadãos e promova a tolerância política.
O futuro da tolerância política em Moçambique
Moçambique enfrenta um desafio urgente: encontrar o caminho para a tolerância política e construir um espaço de diálogo onde todos possam ser ouvidos e respeitados, independentemente das suas preferências partidárias. Este é um objectivo que só poderá ser alcançado através da cooperação entre Governo, oposição, sociedade civil e cidadãos.
O exemplo do Brasil e de outros países que têm enfrentado problemas similares demonstra que a solução passa por uma combinação de políticas públicas, educação cívica e responsabilidade social. Se Moçambique conseguir adoptar estas práticas, poderá fortalecer a sua democracia e construir uma sociedade mais inclusiva e pacífica.
A paz social e o progresso de Moçambique dependem da capacidade de cultivar a tolerância, tanto no ambiente virtual das redes sociais quanto no dia-a-dia. O caminho para a convivência pacífica passa pelo respeito mútuo, pelo diálogo e pela construção de pontes entre as diferentes forças políticas.
Num País onde as redes sociais desempenham um papel cada vez mais central, é imperativo que os cidadãos e os líderes compreendam a responsabilidade que têm ao usá-las. A construção de uma sociedade democrática e justa exige tolerância e respeito ao contraditório, valores que devem ser promovidos em todos os âmbitos da vida moçambicana