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Regresso à Palma: Relutância da Total cheira à chantagem

Dois anos depois de ter interrompido os trabalhos visando a produção de Gás Natural Liquefeito (LNG) na Bacia do Rovuma, em Cabo Delgado, a Total Energies teima em adiar o retorno. Contrariando o Governo moçambicano e uma expectativa quase generalizada na sociedade, a petrolífera entende não haver condições para concretizar o regresso, apesar de, no passado, ter operado num ambiente mais difícil.

Texto: Amad Canda

Desde que se retirou da Península de Afungi por “força maior”, na sequência do mediático ataque terrorista à vila-sede do distrito de Palma, a Total Energies tem afirmado repetidas vezes que o seu regresso está refém do restabelecimento da segurança em Cabo Delgado. Na última visita que efectuou ao País, no início de Fevereiro, o Chief Executive Officer  (CEO) da multinacional, Patrick Pouyanné, anunciou a contratação de um perito em segurança para avaliar as condições no terreno. Ao que tudo indica, o relatório parece não ter sido favorável a Moçambique. Há dias, Patrick Pouyanné, que em Fevereiro afirmara não ter “pressa” de regressar a Cabo Delgado, alegou ser “prematuro” tomar essa decisão.

Posições divergentes

Os fundamentos da aparente “cautela” da gigante francesa são contrapostos pela convicção, da parte do Governo moçambicano, de que as condições de segurança estão efectivamente restabelecidas, não só em Palma, distrito que acolhe o projecto orçado em USD 23 mil milhões – o maior investimento privado em curso em África – como noutras regiões daquela província nortenha.

Organizações e estudiosos internacionais que se ocupam do terrorismo em Cabo Delgado também dão conta da redução dos ataques. A especialista sul-africana Jasmin Opperman diz que “o número dos insurgentes não é comparável a três ou quatro anos”, embora alerte que não se pode negligenciar o terrorismo, “que está longe do fim”. Já a Organização das Nações Unidas (ONU) é mais taxativa, ao referir que os guerrilheiros do grupo Ansar al Sunnah estão actualmente reduzidos a um contingente de aproximadamente 280 homens, muito abaixo dos 2500 que o grupo chegara a ter nas suas fileiras.

“O envio de forças regionais para a província de Cabo Delgado teve um impacto significativo sobre o Ahlul Sunnah wal-Jama’a (outro nome do grupo), desfazendo a sua liderança, as suas estruturas de comando e as suas bases”, escreve a ONU, num relatório publicado em Fevereiro deste ano.

Outrossim, verifica-se, desde o ano passado, uma tendência de regresso à normalidade nos distritos de Cabo Delgado, assolados pela violência extrema, com milhares de deslocados a regressarem às suas zonas de origem. Só na primeira semana de Março de 2022, altura em que as autoridades deram autorização às populações para regressarem, o governo de Cabo Delgado anunciou a chegada de cerca de 50 mil deslocados ao distrito de Palma. Já no distrito de Mocimboa da Praia, que chegou a estar nas mãos dos terroristas durante um ano, contabilizava-se 35 mil deslocados regressados até Novembro de 2022.

Nos últimos tempos, têm sido reportados ataques esporádicos, sobretudo nos distritos de Muidumbe e Nangade. Cumpre referir, no entanto, que os terroristas, vendo-se enfraquecidos, têm adoptado uma estratégia de “conquista de mentes” das populações, apresentando-se como “amigos” e referindo-se ao Governo como “inimigo em comum”.

“Chantagem” em busca de benefícios

Há dias, e naquilo que é entendido na opinião pública como resposta ao Presidente Filipe Nyusi, que apelou ao regresso rápido para aproveitar a crise energética que o mundo enfrenta, o chefe máximo da Total Energies responsabilizou os empreiteiros pela demora, acusando-os de impor custos “elevados”, indo de encontro a uma hipótese levantada pelo analista Fernando Cardoso, em Agosto do ano passado.

“A razão do não reatamento do projecto de Afungi tem a ver com os investimentos que está a fazer em vários pontos do mundo. A Total deve ter feito os cálculos e decidido avançar para Moçambique mais tarde”, defendeu.

Internamente, impera a ideia de que a companhia francesa estará a fazer uma espécie de “chantagem” travestida para forçar o Governo moçambicano a renegociar o acordo e, eventualmente, conseguiu benefícios fiscais mais atraentes, numa altura em que o Governo mostra sinais de alguma incompreensão.

A tese da insegurança parece, definitivamente, não convencer, visto que os franceses não só trabalharam em condições securitárias muito piores até 2021, como também têm histórico de operarem com relativa tranquilidade em zonas de guerra. Aliás, em finais do ano passado, a imprensa internacional noticiou o envio de tropas francesas ao Iémen, com vista a protecção de um projecto de exploração de gás liderado pela Total Energies. A multinacional opera desde 1968 na República Democrática de Congo, onde explora petróleo.  No Gabão, as instalações da empresa chegaram a ser atacadas por manifestantes, em 2019. Neste país, a França é acusada de apoiar o regime de Ali Bongo.

Refira-se que, no ataque de Março de 2021, os insurgentes não chegaram a visar o acampamento da empresa. Sorte igual não teve, mais recentemente, a mina de Ouro da Nairo Resources. Detida pela Gemfields, a mina continua a operar.

 Negócios milionários adiados e em risco

O investimento da Total Energies na área 1 da Bacia do Rovuma, avaliado em USD 23 mil milhões, tem potencial de catapultar o desenvolvimento de Moçambique, mas o seu atraso pode ser comprometedor, dada a intensificação da pressão internacional para o abandono dos combustíveis fósseis e adopção dos não poluentes.

O projecto da Total Energies não é o único em “banho-maria”. Os americanos da Exxon Mobil também continuam sem tomar a Decisão Final de Investimento sobre a exploração do gás em Moçambique, num projecto orçado em cerca de USD 30 mil milhões. A Exxon Mobil lidera um consórcio que inclui a ENI, a China National Petroleum, a Kogos e a Galp, para além da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos, que representa o Estado moçambicano.

Em 2021, o Wall Street Journal fez saber que os sucessivos adiamentos são resultado da pressão que a petrolífera está a sofrer por parte dos investidores no sentido de limitar o desenvolvimento de combustíveis fósseis por forma a reduzir a emissão de carbono.

África Intelligence fala em “preparação silenciosa”

Um artigo do portal África Intelligence indica que a Total Energies está a preparar silenciosamente o seu retorno a Afungi. Segundo o órgão, o director-geral da Total Energies em Moçambique está a trabalhar para que a cláusula de força maior, accionada há dois anos, seja levantada o mais breve possível.

O África Intelligence rede igualmente que uma comitiva moçambicana esteve na França no início do mês de abril. O referido era composto por quadros da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH) e do Instituto Nacional de Petróleos (INP) e sua visita terá sido acompanhado “de perto” pelo director-geral da multinacional em Moçambique, Maxime Rabilloud.

Fala ainda em “grande entusiasmo” das empresas subcontratadas pelos franceses antes da declaração da força maior, citando como exemplo a joint venture CCS, formada por MC Dermort, Saipem e Chiyoda. Quem não parece entusiasmado é Patrick Pouyanné, que ainda na semana finda, e já depois da ida da delegação moçambicana a França, mostrou sinais de que o retorno poderia não ocorrer tão já, a despeito da pressão de Filipe Nyusi.

 

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