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Revolucionários de ontem, reaccionários de hoje

A celebração do 49 aniversário da independência nacional enseja uma reflexão profunda e sincera sobre os proveitos decorrentes da mesma. Antes de mais, porém, e para evitar qualquer confusão com saudosismo colonial ou espírito reaccionário, é preciso vincar que a independência foi a maior conquista do povo moçambicano e fazer a devida ode aos seus obreiros, nossos verdadeiros heróis.

Posto isto, é igualmente nosso dever inalienável, enquanto cidadãos desta Pátria Amada, denunciar a contínua e progressiva desvalorização da nossa independência. É uma tendência que perpassa todas as camadas sociais, mas que, no nosso entender, até encontra origem em determinados sectores que deram uma contribuição excepcional para o alcance da mesma.

Se nos lembramos, o grande ideário que inspirou a luta anti-colonial abarcava, pelo menos, duas camadas – libertação da terra e dos homens. Ambos os objectivos foram alcançados com inegável brilhantismo e sangue, mas, como diz a gíria, “é mais fácil chegar ao topo do que manter-se nele”.

A vitória das corajosas forças que compunham a Frente de Libertação de Moçambique sobre o inimigo imperialista representou a prevalência dos valores do nacionalismo, do patriotismo, da inclusão e do progresso sobre o racismo, exclusão social, xenofobia e outros ingredientes do nazifacismo.

Na prática, a expressão “libertar os homens” encerra, em si, a ideia de livrar as pessoas da mentalidade colonial. Havia, por um lado, que desfazer a secular lavagem cerebral que fizeram os moçambicanos acreditarem na fantasiosa supremacia do infame colono. Por outro, era preciso combater os nefastos hábitos coloniais no seu todo, visto serem promotoras da intolerância, segregação e, em última análise, da pobreza da maioria.

Fazendo hoje uma retrospectiva, é inevitável a sensação de desilusão. Desde o fim do colonialismo português, a integridade territorial de Moçambique nunca esteve tão ameaçada como nos últimos anos, com terroristas a dominarem extensas áreas de Cabo Delgado, perante manifesta incapacidade das nossas Forças de Defesa e Segurança, como o comprova a excessiva dependência das forças ruandesas.

No plano da transformação humana, o revés é ainda maior, com parte significativa dos libertadores a praticar a céu aberto tudo aquilo que combateu no passado. A exclusão social, o elitismo, a ganância, a corrupção e a injustiça social, fenómenos torpes que caracterizavam o estado colonial português, quase que ascenderam ao estatuto de “políticas públicas” em Moçambique.

Sinais disso (na verdade, provas) são abundantes. Volvidos 49 anos de independência, há milhares, e talvez milhões de moçambicanos, sem acesso à água potável; há milhões sem acesso à energia eléctrica; há crianças que, em pleno inverno, são forçadas a estudar debaixo das árvores. Tudo isso acontece num País com cerca de três mil quilómetros de costa, uma das maiores barragens hidroeléctricas de África – a qual se juntam enormes quantidades de gás – e extensas áreas florestais – portanto com matéria-prima abundante quer para a construção de salas de aula, quer para o fabrico de carteiras.

É difícil olhar para tudo isso e evitar pensar que está em marcha um megalómano projecto de sabotagem, sobretudo quando neste mesmo País as elites políticas vivem a grande e à francesa, graças ao açambarcamento compulsivo da riqueza de todos nós, num imparável processo de “privatização” da riqueza comum.

O socialismo não triunfou. Pelo contrário, foi carcomido pelo mais selvagem capitalismo, responsável pela miséria (e morte) de milhões de moçambicanos.

Todo este processo de autodestruição do País tem como protagonistas as mesmas figuras que libertaram a Pátria. Os valores da independência foram estupidamente traídos pelos revolucionários que se tornaram reaccionários.

Espantosamente, ainda têm a coragem de catalogar qualquer um que se oponha a isto de “anti-patriota”. Haja vergonha! Anti-patriotas sois vós que julgam que podem fazer do País uma “casa da tia Joana” para as multinacionais que sugam os nossos recursos em troca de migalhas que ainda acabam nos vossos bolsos.

Neste momento, vós sois os colonizadores e inimigos mortais do povo moçambicano. A etapa mais urgente que se impõe é colocar fim neste ciclo de reprodução de pobreza, humilhação e mortes.

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