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SE JÁ CAUSAM MAL-ESTAR: Chapo faz confusão nos ministérios

Aquando da sua investidura para o cargo de Presidente da República, Daniel Chapo fez várias promessas, entre elas a de reduzir a máquina do Governo, por forma a torná-la menos dispendiosa e mais eficiente. Uma das medidas por si tomadas, e que por sinal foi das mais aplaudidas pela maioria dos moçambicanos, foi a eliminação da figura de vice-ministro, mas o efeito prático desta acção pode estar a ser anulado devido à reintrodução da figura do secretário de Estado (SE) de nível ministerial, e cujo papel está a suscitar confusão.

Texto: Dossiers & Factos

Chapo chega a este cargo numa altura em que o País é marcado por grave crise económica e sociopolítica, que se agudizou desde Outubro de 2024. Procurando amainar os níveis de nervosismo popular, Chapo decidiu anunciar medidas para contenção da despesa pública e dotar o Governo de mais eficiência, prometendo um conjunto de remodelações na estrutura do Governo, destacando-se a eliminação da figura do vice-ministro e a extinção das Secretarias de Estado equiparadas a ministérios.

O entusiasmo gerado por este anúncio mostra estar a reduzir-se devido à nomeação de vários secretários de Estado de nível ministerial, medida que, de acordo com fontes ligadas à administração pública, está a provocar alguma confusão nos próprios ministérios. Segundo apurou Dossiers & Factos, a referida confusão deriva da falta de clareza em relação ao papel dos secretários de Estado.

Recorde-se que, no dia da investidura do PR (15 de Janeiro de 2025), este afirmou que a figura de SE teria responsabilidades “bem definidas”, respondendo directamente aos ministros. No entanto, ao que consta, não existe ainda decreto ou qualquer outro instrumento legal que estabeleça as competências administrativas e atribuições adstritas a esta figura.

Assim sendo, em vários corredores ministeriais, receia-se que esta situação possa degenerar numa disputa de protagonismo entre o secretário de Estado, por um lado, e os directores nacionais, por outro, tal como eventualmente possa colocar em causa a subordinação destes ao ministro, numa espécie de reedição da atribulada coexistência entre os secretários de Estado das províncias e os governadores provinciais no último mandato do Presidente Filipe Nyusi.

Ainda de acordo com as nossas fontes, a percepção de confusão cresce à medida que o Chefe de Estado, dentro do seu poder legalmente constituído, emana orientações aos secretários de Estado nas cerimónias de tomada de posse, que entram em colisão com algumas normas administrativas já existentes. A título de exemplo, aquando do empossamento de mais sete SE, Chapo desafiou o secretário de Estado do Tesouro e Orçamento, Amílcar Tivane, a garantir “o equilíbrio entre as receitas do Estado e a aplicação eficiente dos recursos públicos”, uma responsabilidade que faz parte do rol das funções da Direcção Nacional do Tesouro e Cooperação Económica e Financeira, cujo director é João Bandeira.

Segundo fontes entendidas na matéria, isso é igual a dizer que teremos o secretário de Estado e o director nacional do pelouro a colidirem nas suas funções. Por outro lado, são levantadas questões relacionadas com a tutela de outras entidades do Estado, como é o caso dos institutos públicos. Por exemplo, o número 1 do artigo 89 da Lei n.º 7/2012, de 8 de Fevereiro, estabelece como princípio geral que “os institutos públicos são objecto de tutela e superintendência a exercer pelo ministro ou outro órgão que superintende a principal área de actividade do instituto”. Nesses termos, com a restauração da figura de secretário de Estado nos ministérios, prevista na Lei n.º 14/78, de 28 de Dezembro, nossas fontes entendem que não fica claro a quem os presidentes dos conselhos de administração, por exemplo, devem prestar contas – se ao ministro ou ao SE.

Ademais, há dúvidas em relação à autoridade dos ministros sobre os secretários de Estado, considerando que esta segunda figura, apesar de prestar contas à primeira (segundo Daniel Chapo), é directamente nomeada e empossada pelo Presidente da República e, por inerência da lógica, só este pode exonerá-lo.

Aliás, deve-se lembrar o histórico desta figura de SE, que existe desde a primeira Constituição da República Popular de Moçambique e nunca foi extinta, sendo, no entanto, que, para além das razões referidas no parágrafo antecedente, ela é protegida pela Lei Mãe – Constituição da República.

Chapo busca ressuscitar confusão deixada por Machel

Apesar de a iniciativa do Chefe de Estado ter sido aplaudida no primeiro dia e nos subsequentes, vale a pena o jornal recuar aos dossiers do sistema político e governamental de Samora Machel, que incluíra a figura de secretário de Estado nos ministérios, como são os casos do de Algodão, Caju, Educação Física e Desporto, entre outros, que acabaram entrando em colisão = confusão com os ministros das áreas.

Há-de ser por experiência vivida que Joaquim Chissano, na altura ministro dos Negócios Estrangeiros, ao chegar ao poder como Presidente da República, estabeleceu mecanismos para a criação da figura de vice-ministro, que até era proposto pelo respectivo titular da pasta, o que criou espaço para a partilha de poderes entre amigos nos ministérios.

Já no Governo de Armando Guebuza, notou-se a mistura na indicação de vice-ministros, prevalecendo, porém, a ordem e aparente convivência harmoniosa dentro dos ministérios, facto que mudou 360 graus no império Nyusi.

Neste último, tal como se referiu em parágrafos anteriores, viveu-se uma vergonhosa confusão entre os governadores de províncias e SE a esse nível, também a marginalização dos vice-ministros pelos seus titulares, havendo vários casos em que os vice sequer foram tidos, muito menos achados pelos seus superiores hierárquicos, apesar de ambos terem sido nomeados e empossados pelo Presidente da República.

Olhando para os factos, e entendendo que Daniel Chapo ouviu a opinião de vice-ministros, com destaque para Filimão Suaze, que sentiu na pele, na altura, a injustiça da sua chefe, terá sido por essa razão que Chapo decidiu extinguir a figura de vice-ministro, justificando politicamente de forma correcta pela suposta redução de custos para o Estado, sem ter em conta a confusão que Samora viveu com SE de nível ministerial.

Todos esses factores preocupam as nossas fontes, que defendem que a coexistência pacífica e produtiva entre os ministros e secretários de Estado poderá estar dependente da “harmonização da legislação”, quer seja por meio de revogações, quer seja por meio de ajustes pontuais.

A “falácia” da redução dos ministérios

A nomeação dos secretários de Estado nos ministérios resgata também a discussão em torno da seriedade da promessa de redução da estrutura do Governo, feita pelo Presidente da República no dia da sua investidura. A composição do Governo pode ter decepcionado parte da sociedade que vibrou com a promessa de redução dos ministérios. É que o Governo de Daniel Chapo tem um total de 19 ministérios, aos quais se juntam até ao momento 12 secretários de Estado, não estando claro se haverá novas nomeações nos próximos dias.

Por sua vez, o seu antecessor, Filipe Nyusi, conduziu, no segundo mandato, um Governo com 17 ministérios, aos quais se somavam três secretarias (Secretaria de Estado do Desporto, Secretaria de Estado da Juventude e Emprego e Secretaria de Estado do Ensino Técnico-Profissional).

Outro dado chamado à colação é a criação do Gabinete de Reformas e Projectos Estruturantes, que não existia no anterior Governo. Coordenado pelo antigo ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, João Osvaldo Machatine, este gabinete é visto em certos sectores como uma espécie de “super-ministério camuflado”, dada a sua preponderância.

A manutenção de um número elevado de cargos governativos contrasta com o discurso de austeridade e eficiência administrativa que marcou o início do mandato de Chapo, levantando dúvidas sobre o real impacto das suas reformas.

Ressalve-se, no entanto, que, ainda no esforço tendente à contenção da despesa pública, o Ministério das Finanças emitiu, a 26 de Fevereiro do mês em curso, um ofício através do qual orienta os diferentes ministérios a prestarem informações sobre a sustentabilidade financeira das instituições tuteladas, bem como as propostas de fusão das instituições não viáveis, para que sejam integradas na administração directa do Estado.

Esta medida é resultado da recomendação do Presidente da República e abre boas perspectivas sobre a contenção da despesa pública a médio prazo, indo ao encontro dos apelos da sociedade e também das instituições financeiras internacionais, como é o caso do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional.

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