EnglishPortuguese

Se SIDA não é negócio, por que a vacina contra COVID veio tão rápido?

 

O SIDA é uma das maiores pandemias de todos os tempos e já dizimou vidas de mais de três milhões de pessoas ao longo da história humana. Reconhecido em meados de 1981, há aproximadamente 40 anos que o vírus causador do SIDA assola a humanidade, e ainda não se vislumbra, para tão já, a sua cura, ou seja, a vacina contra essa pandemia. Este cenário (da não existência da cura), ao longo dos anos, foi alimentando a teoria de que o SIDA é, na verdade, um bom negócio, a julgar pelo volume de dinheiro que esta doença movimenta, através de organizações especializadas, financiamento de programas e toda uma “cadeia de valor” inteiramente virada ao seu suposto combate.

Se bem que este debate sempre esteve longe de ser consensual, com a eclosão da pandemia da Covid-19, seguida por uma rápida resposta em termos de vacinas para o seu combate, muitos entusiastas da teoria de que o “SIDA é um negócio” começam a reavivar a conversa, já antiga, de que o HIV só não tem vacina até hoje porque há interesses, por parte de quem controla o mundo, de que as coisas permaneçam como estão, para gerar dinheiro.

É que o novo coronavírus não precisou nem completar um ano antes que os cientistas começassem a apresentar propostas de vacinas, e não uma apenas, que rapidamente foram aprovadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e já estão sendo administradas em várias partes do mundo.

Mas que dizer do HIV, por que não há, até hoje, passados quase 40 anos, nem sequer uma vacina? Será mesmo o HIV/SIDA um negócio? Esta hipótese já foi levantada nos mais diversos círculos de opinião, em todo o mundo, e não apenas em conversas de esquina.

No princípio do século XXI, concretamente no ano 2000, na inauguração oficial da Conferência Internacional sobre SIDA, em Durban, África do Sul, milhares de pessoas marcharam até ao local da conferência para gritar: “o SIDA não pode continuar a ser um negócio”, e gritaram a valer. O som de tambores e cânticos abafou por momentos os discursos no palco, perturbando, no início, o curso normal da conferência.

Na música, principalmente no género hip-hop, que é intrinsecamente de intervenção social, a questão do negócio do SIDA foi evocada em vários cantos do mundo. Só para citar alguns exemplos, e já começando por Moçambique, o rapper Azagaia, na sua música “As Mentiras da Verdade”, a dado momento diz, e rimando: “… Se eu dissesse que o SIDA em Moçambique é um negócio… ONGs têm o governo como sócio…”, dando a entender que, para além de permitir que homens de negócios (disfarçados em sociedade civil) explorem a pandemia como business, o nosso governo participa como accionista.

A par de Azagaia, lá para as Américas, concretamente no Brasil, o agrupamento musical Facção Central, na sua música “Cartilha do Ódio”, num dos versos diz: “… a AIDS não tem cura por que não é negócio, o cocktail é a alegria dos laboratórios…”, uma frase que, de resto, dá a entender que, na opinião daquele grupo, o SIDA (AIDS, no Brasil usa-se a sigla em inglês) só não tem cura ainda porque, supostamente, a cura seria menos lucrativa que o cocktail (aqui se referem aos anti-retrovirais), que, segundo eles, é a alegria dos laboratórios, isto é, o que dá lucro aos fabricantes.

Lá do velho continente, concretamente em Portugal, ouviu-se o rapper Boss AC, que, cauteloso, simplesmente disse, na música “Julgamento Final”: “custa acreditar que a vacina para SIDA não tenha ainda sido inventada”, manifestando, assim, a sua descrença na incapacidade de resposta por parte da ciência, o que, de per si, sugeria que talvez os cientistas estivessem a esconder a vacina, por razões inconfessáveis.

Certamente os exemplos acima não são os únicos, obviamente, cingi-me a algumas ocorrências na música de artistas de língua portuguesa que são de maior expressão, pelo menos nos seus países, que levantaram publicamente a questão da existência de interesses ocultos por detrás da suposta não descoberta da vacina contra o HIV/SIDA, por acreditarem que seria impossível, com tantos avanços tecnológicos, não se conseguir trazer uma solução para o caos sanitário criado pelo HIV/SIDA.

Embora eu não queira tomar parte no cepticismo que levou esses músicos e outros a dizer o que disseram, por um lado, acredito que a inexistência de uma vacina contra o HIV/SIDA cria muitas oportunidades de negócio. São várias as organizações que tiram muitos ganhos do actual estado de coisas, entre elas ONGs, laboratórios de anti-retrovirais, fábricas de testes, fábricas de preservativos, fábricas de suplementos nutricionais; sem deixar de lado os médicos tradicionais, que também transformam essa crise sanitária numa fonte de lucro, ao prometer recuperar a saúde dos doentes, afirmando conseguir curar uma doença que cientificamente, ou seja, através da medicina moderna, não tem cura.

Apesar de serem óbvias as oportunidades geradas pelo HIV/SIDA, custa-me, por outro lado, acreditar que a comunidade científica mundial esteja alinhada nessa mesquinhice de ocultar a vacina só por interesses capitalistas. É claro que existem sindicatos mafiosos com interesse de lucrar com a doença, mas isso não é nada oficial, é “a bosta que flutua no mar de rosas”. Não me parece provável que nações inteiras se juntem e concordem em alimentar uma doença em prejuízo de uma sociedade saudável e mais produtiva. A ser verdade que o SIDA é um negócio, nos moldes a que me referi acima, então é um mau negócio para os negócios, é um negócio prejudicial à economia, dadas as suas consequências nefastas. No mundo, o SIDA já matou mais de três milhões de pessoas e continuam a morrer, dentre elas pessoas que foram úteis e que continuariam sendo úteis à sociedade se não tivessem sido dizimadas por essa doença.

 Então, por que é que o HIV/SIDA ainda não tem cura? E por que a COVID teve logo uma vacina? Segundo o biomédico brasileiro Lucas Zanandrez, tanto a facilidade com que se conseguiu inventar a vacina contra a Covid-19 quanto a dificuldade para inventar a vacina contra o HIV estão relacionadas com as características dos próprios vírus.

Zanandrez explica que existe uma série de características biológicas peculiares do HIV que fazem com que não tenhamos até hoje uma vacina para o seu combate. A primeira é que, diferentemente de todos os outros vírus já descobertos (incluindo o coronavírus), o HIV infecta justamente as células de defesa do corpo humano, as mesmas que deviam combatê-lo naturalmente, e isso compromete a capacidade do organismo de se defender de qualquer infecção, e faz com que qualquer tentativa de imunizar o organismo não seja suficiente para combater esse vírus; outra característica tem que ver com a velocidade com que o vírus do HIV sofre mutações. Descrita como fora do comum, a rapidez com que o vírus se reproduz e cria novas variantes faz com que seja difícil obter uma vacina que seja eficaz para combater os diversos subtipos resultantes dessas mutações; outra característica do vírus é esconder-se dentro das células, o HIV pode alojar-se dentro de uma célula sem ser detectado por meses, podendo, a qualquer momento, reagir, desencadeando os efeitos da infecção; existe também a falta de imunidade natural contra o HIV, ou seja, há doenças que podem ser expulsas do organismo humano sem nenhuma medicação, e as vacinas, de um modo geral, agem reproduzindo a resposta imune natural contra determinado vírus, o que é difícil com o HIV, visto que não possui imunidade natural. Estas características sui generis fazem com que o processo de produção da vacina seja extremamente complexo, cheio de obstáculos e um desafio aparentemente interminável, que tira sono a toda a comunidade científica mundial;

Para mim, afirmar que os cientistas do mundo inteiro estão mancomunados com os capitalistas e escondem a vacina contra o HIV/SIDA do público para fazer dinheiro é, de todo, desvalorizar os seus esforços no sentido de evitar contaminações bem como melhorar a saúde e aumentar a esperança de vida daqueles que já contraíram o vírus. Se nos anos 80 contrair o HIV era literalmente uma sentença de morte, hoje em dia, as pessoas podem, graças ao abnegado trabalho dos cientistas do mundo todo, ter uma vida saudável e longa, mesmo com o vírus no organismo, e inclusive ter filhos seronegativos.

Não é objectivo deste artigo discutir questões biomédicas ao detalhe, mas, da explicação daquele entendido na matéria [Lucas Zanandrez], pode-se depreender que a vacina contra o SIDA só não existe ainda porque o HIV, vírus causador desta doença, é, literalmente, um bicho de sete cabeças. Reza a lenda que o bicho de sete cabeças era uma besta imortal com corpo de dragão e cabeças de serpente. Ainda bebé o bicho foi criado e incentivado a desenvolver todos os seus instintos destrutivos. Treinado para destruir o que lhe viesse pela frente, tal como sugere o seu nome, o bicho tinha sete cabeças, cada uma delas sustentada por um enorme pescoço, com capacidade de enrolar-se ou afastar-se e atacar os adversários em todos os ângulos possíveis. Com toda essa mobilidade, o monstro consegue atacar amplas áreas, destruindo comunidades inocentes, devorando biodiversidades inteiras. Conta ainda a lenda que, se uma das cabeças fosse cortada, duas outras surgiriam no seu lugar para compensar a perda, o que tornava uma missão impossível matar esse bicho, visto que qualquer tentativa de o matar parece fortalecê-lo, ao surgirem duas cabeças quando se corta uma. Tal é o caso do HIV. O dilema dos cientistas é: como matar o bicho de sete cabeças?

Texto: General Tapioca

Gostou? Partihe!

Facebook
Twitter
Linkdin
Pinterest

Sobre nós

O Jornal Dossiers & Factos é um semanário que aborda, com rigor e responsabilidade, temáticas ligadas à Política, Economia, Sociedade, Desporto, Cultura, entre outras. Com 10 anos de existência, Dossiers & Factos conquistou o seu lugar no topo das melhores publicações do país, o que é atestado pela sua crescente legião de leitores.

Notícias Recentes

Edital

Siga-nos

Fale Connosco