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SECTOR DA SEGURANÇA PRIVADA DE MAL A PIOR: “Governo está a apadrinhar escravatura”

– Sindicato defende banimento de empresas prevaricadoras

 O sector da segurança privada no País é um dos sectores que tem-se queixado de várias anomalias no decurso das suas actividades, desde o não pagamento devido do salário, questões ligadas aos turnos de trabalhos, aliás, mesmo as condições às quais são expostos esses trabalhadores. Num cenário de crescente proliferação das empresas de segurança privada no País, emergem ainda novos desafios, ligados à concorrência desleal e aumento de casos de violação dos direitos da massa laboral. Foi por estas razões que Dossier Económico procurou conversar com o secretário-geral do Sindicato Nacional da Segurança Privada (SINTESP), Boaventura Paulo Simbinde. Simbinde aponta o Ministério do Interior pela proliferação das empresas do sector e aumento de casos de violações, tudo por falta de fiscalização.

Texto: Milton Zunguze

Dossier Económico (DE): Qual é o ponto de situação actual do vosso sector?

Boaventura Simbinde (BS): A situação actual da segurança privada está… nem sei como considerar, porque está, posso dizer, pior. Pior em que medida? Porque, fazendo um resumo da história, já estávamos numa situação em que sentíamos que a situação laboral e salarial do trabalhador estava razoável. Porque a maior parte das empresas pagava o salário mínimo, e uma percentagem das horas acima do horário que está a ser praticado. Tínhamos menos empresas que praticavam horários forçados, mas de cinco anos para cá, a situação piorou, os trabalhadores perderam o valor das horas, das quatro horas a mais, e a maior parte das empresas já não as paga. Algumas empresas que tinham isto suspenderam a partir do ano 2020 com a pandemia, e algumas empresas não retornaram. A maior parte das empresas, ou quase todas, já não pagam subsídios; estamos a falar de subsídios de antiguidade, de alimentação, de transporte, de assistência médica. Quase todas as empresas suspenderam ou tiraram os subsídios. São algumas empresas que ainda mantêm o subsídio de horas, por mais que não sejam taxativas, poucas mesmo, que não chegam a cinco empresas num universo de cerca de 300 empresas.

DE: E quanto ao seguro de trabalho?

BS: Quando surgiram as empresas de segurança privada, tinham seguro de trabalho, seguro de acidente e seguro de prestação de serviço ao cliente, mas hoje em dia já não acontece.

Proliferação das empresas e suas consequências

DE: Quais seriam as reais causas disto tudo?

BS: A situação do mercado, na área da segurança privada, ficou bastante afectada de forma negativa, não por causa da pandemia, mas por causa da proliferação das empresas de segurança privada. O aumento das empresas de segurança privada veio a provocar a concorrência desleal. A maior parte das empresas chamadas novas veio praticar maus preços, no sentido de que os preços que cobram não lhes dão a possibilidade de cumprir com as obrigações que têm; elas cobram valores irrisórios e são obrigadas a praticar dois turnos, que são dois homens, em que um homem faz 24 horas de trabalho.

DE: Em condições normais, quantas horas deveriam fazer?

BS: A natureza da segurança privada previa três homens por turno, razão pela qual reclamamos das quatro horas extras. O trabalhador fazia 12 horas de dia e 12 horas de noite, isto é, duas manhãs de 12 horas e duas noites, e cada noite fazia 12 horas, descansando dois dias. Nas contas feitas, o trabalhador tinha quatro horas a mais acima das 8 horas previstas na lei. No entanto, quando houve a deliberação da existência das empresas de segurança privada, foi feito o levantamento das horas trabalhadas e viu-se que sobravam as quatro horas. Essas quatro horas eram aquelas que discutíamos com as empresas para o pagamento; as quatro horas significavam metade do dia laboral, que são 8 horas. Então, essas 4 horas, a maior parte das empresas nunca chegou a pagar taxativamente, porque significaria metade do salário. Mas a maior parte das empresas discutia por uma percentagem; algumas empresas pagavam 10% do salário, outras pagavam 15%, mas a maioria já pagava. Com o afluxo das empresas que provocaram a concorrência desleal, as empresas antigas que vinham praticando este horário de três homens, o H24, a maior parte continua com esse horário. Mas já não pagam horas, porque essas empresas estão a perder o mercado, pois o cliente não olha a qualidade, olha o preço.

DE: Para prestar esses serviços, uma empresa de segurança privada cobra quanto em média?

BS: Não tenho o estudo actualizado, mas até ao ano passado, o estudo indicava que uma empresa, para cobrar um valor que pague o salário mínimo do ano passado, pagar o INSS, a administração, e ainda sobrar algum lucro, com três pessoas no posto, tinha que cobrar pelo menos 38 mil meticais. Então, vejamos que essas empresas que estou a falar, as novas empresas, cobram muito abaixo desse valor, 20, 22, 23 mil meticais. Mas aí vem a questão: temos três tipos de comportamento da segurança privada na zona Sul, Centro e Norte.

Há quem trabalhe 24/24

DE: Qual é o cenário das empresas do vosso sector em cada região?

BS: Na zona Sul, encontramos empresas com comportamento razoável, não bom. A maior parte das empresas cumpre o horário de duas manhãs, duas noites e duas folgas, que são três homens, e pagam salário mínimo; a maior parte das empresas paga salário mínimo, por mais que tenham dívidas no INSS, mas pagam. Na zona Centro, encontramos a prática da escala de 24h sobre 24h. Quer dizer que o trabalhador faz 24h, entrou às 7h e sai às 7h do dia seguinte, vai para casa, dorme uma noite, no dia seguinte de manhã volta para o posto; não há descanso, não há troca de turno. E essas empresas que têm essa prática de horários pagam abaixo do salário mínimo, que é 8.190 meticais, mas pagam 4, 5, 6 mil meticais. São poucas as empresas que pagam 7.000, porque o salário anterior era sete mil e qualquer coisa. São poucas, e as empresas que pagam o salário mínimo são as que têm a sua sede em Maputo e que são do âmbito nacional. Mas as empresas do âmbito local daquela província, algumas nem têm instalações, não pagam o INSS. Nesse salário abaixo do mínimo, têm uma dívida de salário de 2, 3, 4, 5 meses por aí. E o patrão não é conhecido e, no fim, chega a abandonar os trabalhadores. Na zona Norte, a situação é ainda pior; é semelhante à da zona Centro, só que lá é ainda pior, porque há trabalhadores que até recebem uma espécie de parte do salário em produtos e outra parte em dinheiro. Algumas empresas, o trabalhador nem sabe quanto é que ganha. Estado assobia para o lado

DE: A questão é, por que essa proliferação de empresas quando não há condições, no mínimo, razoáveis?

BS: Quanto à questão da proliferação já tivemos várias reuniões com o Ministério do Interior (MINT) e o Ministério do Trabalho e Segurança Social (MTSS). A última reunião que tivemos com o Comandante Geral da PRM, ele havia prometido que iria submeter o tema à Academia de Ciências Policiais (ACIPOL) para ser estudado até que ponto uma cidade suporta as empresas de segurança privada. Ainda há condições de mais empresas de segurança privada serem alocadas na mesma cidade ou não? O que está acontecendo? Um cidadão vai a Nampula, trata do alvará se é que tem alvará porque muitas empresas não têm alvará, ele trata tudo em Nampula, em menos de um mês, dois meses, a empresa já se expandiu a ponto de se encontrar já na província de Cabo Delgado, está na província de Zambézia, está em Gaza, em pouco tempo. E a empresa não está em condições. A Lei 9/2007, de 30 de Abril, só fala das condições para adquirir a personalidade jurídica de uma empresa de segurança privada. Não escalonou as empresas, por exemplo, se há uma empresa do grupo A, B e C, aquilo que acontece com outras empresas, com outras áreas de actividade. Aqui, só há empresas de segurança privada, somente.

DE: Sente que há necessidade de escalar?

BS: Havia essa necessidade. A necessidade de escalar a empresa faz sentido, na medida em que ela iria fiscalizar as condições da empresa antes de serem alocadas num determinado espaço ou numa determinada área, e isso não acontece. Na nossa última reunião com o Comandante Geral, reclamamos essa situação e ele disse que a competência era da Comissão de Licenciamento de Empresas, que é dirigida pela Ordem de Advogados de Moçambique. Essa comissão é que seria a responsável, porque quando surgiram as empresas de segurança privada, a deliberação dizia que as empresas deviam ter personalidade jurídica e o capital social mínimo de 50 milhões de meticais. A maior parte das empresas não tem esses 50 milhões de meticais.

DE: E na prática, qual é o cenário?

BS: Hoje em dia, qualquer um tem uma empresa de segurança privada. Vamos aos preços de prestação de serviço; as empresas foram e começaram a discutir os preços ao cliente. O cliente é que diz quanto pode pagar, não a empresa que diz quanto o cliente deve pagar. Uma empresa de segurança privada não impõe o preço, é o cliente que diz: “tenho 15 mil meticais para te pagar, aceitas ou não? Não aceitas, tenho alguém que pode aceitar”. As empresas de segurança privada do grupo A já perderam o mercado, porque há quem olha mais o preço, e não a qualidade do serviço. A empresa diz que: “não posso praticar esse preço porque com esse preço vou perder, eu cobro 35 mil meticais”, e o cliente diz que “não posso, quero pagar 20 mil meticais”. E o cliente vai. E quando falamos de empresas de segurança privada, temos os funcionários do Governo, instituições do Governo, são eles que alimentam mais as empresas com as suas escolhas. Temos o Banco de Moçambique, que na sua rede nacional tem serviços de segurança privada, temos o próprio MINT e temos o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS). Hoje, não sabemos o que está acontecendo, porque já discutimos várias vezes, e eles não entendem. Aí há contradições; o próprio Ministério do Trabalho e Segurança Social, que devia exigir que o trabalhador tivesse assistência médica, não tem; tem dívida no INSS. Temos dívida de salário, mas estamos a pagar ao cliente, na nossa conta o cliente é que deve. Então, a situação não está fácil.

DE: Sente que o governo tem uma palavra a dizer nesta questão de proliferação?

BS: O governo tem, porque o governo deve fiscalizar. Devia fiscalizar; aliás, ele já o faz, só que não o faz de uma forma transparente. Quem licencia, por exemplo, é a Ordem dos Advogados de Moçambique. No entanto, a Ordem dos Advogados de Moçambique já pediu apoio à Associação das Empresas de Segurança Privada para que fossem juntos fiscalizar o mercado e fiscalizar as empresas prevaricadoras que não têm condições. Estas deviam ser banidas no mercado, mas não acontece. Em vez de o governo banir, há, por exemplo, alguns delegados do Ministério do Trabalho que preferem que a empresa vá negociar as suas dívidas de INSS; dívidas de salário. No entanto, temos trabalhadores que já foram dispensados das suas empresas e não receberam seus devidos ordenados; temos processos nos tribunais de trabalhadores que foram retirados do seu posto de trabalho porque se recusaram a aceitar o salário, mesmo quando sabem que o salário é abaixo do mínimo. O trabalhador quer entrar na empresa e a empresa diz que está a pagar 4 mil meticais, , o trabalhador diz que não quer, a empresa insiste para que aceite, e se o trabalhador recusar, vai ao tribunal. E quando o tribunal olha para o artigo 45 da Lei do Trabalho, diz que o trabalhador aceitou o posto, não é assim. O trabalhador aceitou porque a empresa insistiu e ele teve que aceitar.

DE: O que a SINTESP fez neste sentido?

BS: Quando falamos com o MINT sobre estas situações, dissemos que tínhamos uma das situações em que empresas não respeitam o que nós tínhamos decidido, que era o preço mínimo da facturação. Nós consideramos que o Governo está a apadrinhar as empresas e a violar a norma, está a apadrinhar a escravatura. Não há uma acção punitiva do governo em relação às empresas. Além disso, não temos tido apoio dos tribunais; os tribunais não aplicam a legislação como devia ser aplicada. Com o Governo, não estamos a ter uma situação favorável para a melhoria da situação do trabalhador. No ano passado, 2023, tivemos mais de 100 greves de trabalhadores do sector da segurança privada e o MTSS teve que intervir. Os patrões comparecem, prometem, e o Ministério ainda não aplicou o que devia ter aplicado.

DE: A situação está crítica, não?  

BS: Sim, e a situação ainda é mais crítica. Em muitas empresas, o patrão não é conhecido. E quando falamos da zona Centro, as empresas estão a ser dirigidas por representantes que, no final, não são donos. Não temos capacidade de diálogo, mesmo que exijamos os direitos do trabalhador. Este representa e os problemas persistem, e a nossa maior preocupação é a questão salarial. A situação está crítica; temos trabalhadores que, há mais de cinco anos, não recebem férias. Há empresas que fazem promessas de pagamento das férias aos trabalhadores; nós temos empresas em que o trabalhador tem uma dívida de 100 mil meticais, mas aceita receber 20 mil meticais por causa do desespero. As empresas dizem que “não temos dinheiro para pagar isso, não temos dinheiro”. A situação não está fácil.

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