Moçambique poderá estar à beira de uma crise de combustíveis, com repercussões que podem atingir toda a economia nacional, à medida que se agravam as dificuldades na importação de produtos petrolíferos. A Puma Energy, uma das principais distribuidoras de combustíveis no país, enviou numa carta a Autoridade Reguladora de Energia (ARENE) e aos seus dealers, alertando para possíveis rupturas no abastecimento, devido à indisponibilidade de divisas nos bancos comerciais moçambicanos.
Texto: Amad Canda
A empresa refere que tem enfrentado “dificuldades consideráveis” em garantir as garantias bancárias necessárias para a compra de combustíveis no exterior. Esta situação, que decorre de uma escassez crítica de moeda estrangeira no sistema financeiro moçambicano, está já a afectar o processo de importação de combustíveis e, como consequência, poderá resultar em ajustes temporários no fornecimento aos seus clientes.
A crise de divisas, que afecta vários sectores da economia moçambicana, está agora a atingir de forma severa o sector dos combustíveis, cujas operações dependem quase exclusivamente da capacidade de importação. Segundo a Puma Energy, sem um aumento imediato na disponibilidade de moeda estrangeira, o fornecimento de combustíveis poderá ser comprometido, o que traria impactos significativos tanto para os consumidores individuais quanto para as empresas que dependem destes produtos para as suas actividades diárias.
A empresa esclarece no documento que tem envidado todos os esforços para minimizar os impactos desta situação, mantendo um contacto próximo com as autoridades governamentais e os bancos comerciais. Contudo, adverte que, se não houver uma solução a curto prazo, será inevitável uma reavaliação das suas operações no País, incluindo a redução do volume de vendas.
Este cenário levanta preocupações sobre possíveis práticas especulativas no mercado, embora os preços dos combustíveis em Moçambique sejam fixados pela Autoridade Reguladora de Energia (ARENE), sob supervisão do Governo. A Puma Energy reforçou que irá manter os seus clientes informados sobre quaisquer desenvolvimentos, mas apelou à compreensão, sublinhando que a situação está além do seu controlo directo.
Crise de divisas: um problema estrutural
O alerta da Puma Energy surge num momento em que a escassez de divisas se tornou um problema sistémico para a economia moçambicana, com consequências que se estendem para vários sectores produtivos e de serviços. No início de Outubro, a Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA) convocou uma conferência de imprensa para expressar a sua preocupação com a falta de acesso a divisas internacionais, problema que tem vindo a estrangular as empresas nacionais. O Banco de Moçambique, entretanto, minimizou a gravidade da situação, afirmando que o País tem reservas suficientes para cobrir cinco meses de importações – um nível acima do recomendável.
Apesar das declarações do Banco Central, empresários moçambicanos, como Agostinho Vuma, presidente da CTA, argumentam que essas reservas não estão a ser disponibilizadas para o sector privado. Segundo Vuma, “os bancos comerciais não têm dólares suficientes para atender às necessidades básicas de operação das empresas”, numa altura em que os sectores económicos mais dependentes de importações, como o das moageiras e bebidas, já sentem o impacto desta escassez.
A crise de divisas em Moçambique deve-se a vários factores, incluindo a baixa produtividade nacional e a dependência excessiva de produtos importados, o que resulta numa balança comercial cronicamente negativa. Além disso, as elevadas taxas de reservas obrigatórias impostas pelo Banco de Moçambique aos bancos comerciais têm exacerbado o problema. Desde 2022, a taxa de reservas obrigatórias para moeda estrangeira passou de 11,50% para 39,5% em 2024, um dos valores mais altos do mundo, segundo a CTA.
O vice-presidente da CTA, Zuneid Calumias, considerou que essa política monetária está a “sufocar os bancos comerciais”, tornando mais difícil para estas instituições disponibilizarem as divisas que as empresas necessitam para pagar as suas importações. “Não há fundamento teórico nem empírico para a manutenção de uma taxa tão elevada”, afirmou Calumias, defendendo uma revisão urgente destas medidas.
Impactos económicos e sociais de uma possível crise de combustíveis
A possível escassez de combustíveis poderá ter efeitos em cascata na economia moçambicana, afectando sectores cruciais como o transporte, a agricultura e a indústria transformadora. A falta de combustível poderá, por exemplo, paralisar a mobilidade urbana, aumentar os custos de transporte e criar disrupções na distribuição de bens essenciais, agravando ainda mais a inflação e a pobreza no país.
Apesar de o Governo fixar os preços dos combustíveis, através da ARENE, o desabastecimento pode abrir espaço para a especulação e para a venda ilegal de combustíveis a preços inflacionados. Esta situação seria especialmente crítica em áreas rurais e periféricas, onde o acesso aos combustíveis é mais limitado e os preços podem sofrer maiores variações.
A longo prazo, o prolongamento desta crise de divisas, combinado com a dificuldade de acesso a combustíveis, pode prejudicar a recuperação económica do país, que já enfrenta desafios como o aumento do custo de vida, o desemprego e a instabilidade nos sectores produtivos.
Oportunidades para alguns em meio à crise de divisas
Curiosamente, enquanto as grandes empresas e sectores produtivos lutam pela obtenção de divisas para as suas operações, a crise também criou oportunidades de lucro para pessoas singulares que têm acesso a moeda estrangeira. De acordo com a CTA, os bancos comerciais têm recorrido ao “público” para comprar divisas e responder à pressão do mercado. Este comércio paralelo de divisas tende a alimentar ainda mais a especulação, prejudicando o acesso das empresas aos dólares e contribuindo para a incerteza no mercado.
À medida que a crise avança, o país parece estar num dilema: se por um lado, as reservas internacionais parecem teoricamente suficientes para cobrir as necessidades de importação, por outro, a sua disponibilização prática tem sido insuficiente para evitar quebras no abastecimento e paralisações em sectores essenciais.
A possível ruptura no fornecimento de combustíveis é apenas uma das manifestações de um problema maior que afecta a economia moçambicana. Resta agora saber se o Governo e o Banco de Moçambique conseguirão articular uma resposta rápida e eficaz para evitar que a crise se agrave ainda mais nos próximos meses.
Texto extraído na edição 136 do Jornal Dossier económico