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EDITORIAL D&F: JLO, de príncipe da paz a cultor do ódio

A recente expulsão de vários políticos que se dirigiam a Angola para participar numa cimeira alusiva ao aniversário da UNITA representa um retrocesso preocupante para a democracia e para a imagem do presidente João Lourenço. O líder angolano, que também ocupa o cargo de presidente da União Africana, deveria ser um símbolo de união e diálogo. Em vez disso, as suas acções têm promovido divisão e intolerância, manchando a sua reputação e levantando sérias dúvidas sobre a sua capacidade de liderar processos de paz na região.

A deportação de figuras como Venâncio Mondlane ex-candidato presidencial moçambicano, Edwin Sifuna, vice-presidente do Senado do Quénia, e Ian Seretse Khama, antigo presidente do Botsuana, é um acto antidemocrático que não pode ser ignorado. Estas personalidades foram impedidas de entrar em Angola sem justificação plausível, retidas durante horas no aeroporto de Luanda e, em alguns casos, privadas de assistência humanitária básica, como alimentação. Tal tratamento é inaceitável e contradiz os princípios de hospitalidade e respeito que deveriam guiar um país que se orgulha de ser um exemplo de reconciliação pós-conflito.

João Lourenço, outrora apelidado de “príncipe da paz” pelos esforços iniciais na promoção da transparência e da reconciliação em Angola, parece ter abandonado esse papel. A sua decisão de barrar a participação de líderes da oposição africana num evento político legítimo é um sinal alarmante de autoritarismo. Esta atitude não só prejudica a imagem de Angola no cenário internacional, como também mina a credibilidade de Lourenço como presidente da União Africana, um cargo que exige neutralidade e compromisso com a união continental.

A cimeira da UNITA, partido histórico da oposição angolana, deveria ser um espaço de diálogo e partilha de experiências entre partidos africanos. Em vez disso, transformou-se num palco de repressão e intolerância. Ao impedir a participação de figuras respeitadas como Khama e Pastrana, Lourenço enviou uma mensagem clara: em Angola, a dissidência e o pluralismo político não são bem-vindos.

Esta postura é ainda mais condenável considerando o contexto regional. A África enfrenta desafios complexos, desde conflitos armados até crises económicas, que exigem cooperação e liderança visionária. Ao agir de forma tão repressiva, Lourenço não só falha como líder continental, como também contribui para a desestabilização política e o enfraquecimento das instituições democráticas.

A situação é particularmente preocupante no que diz respeito ao processo de paz na República Democrática do Congo (RDC). Lourenço, que tem sido um mediador chave nas negociações entre o governo congolês e os grupos rebeldes, vê agora a sua imparcialidade posta em causa. O presidente ruandês, Paul Kagame, já havia acusado Lourenço de parcialidade, e estas acções recentes só reforçam essa percepção. Como pode um líder que não respeita os direitos políticos dos seus vizinhos ser um mediador credível num conflito tão complexo?

A deportação de Venâncio Mondlane é especialmente simbólica. Como figura proeminente da oposição moçambicana, Mondlane representa a luta por uma democracia mais inclusiva e transparente. Ao impedi-lo de participar num evento político, Lourenço não só desrespeitou um aliado regional, como também enviou um sinal preocupante aos defensores da democracia em África: a liberdade de expressão e reunião está sob ameaça.

O caso de Ian Seretse Khama, antigo presidente do Botsuana, é igualmente revelador. Khama, um líder respeitado que governou um dos países mais estáveis da África, foi tratado com desdém e humilhação. A sua decisão de abandonar Angola por se sentir desrespeitado é um testemunho eloquente do clima de hostilidade que prevalece.

Andrés Pastrana, antigo presidente da Colômbia, enfrentou circunstâncias semelhantes. A sua experiência como mediador em processos de paz deveria ter sido valorizada, mas, em vez disso, foi recebido com desconfiança e repressão. Estas acções não só prejudicam as relações bilaterais, como também mancham a imagem de Angola como um país aberto ao diálogo e à cooperação internacional.

A decisão de várias delegações internacionais de abandonar Angola é um sinal claro de que o país já não é visto como um espaço seguro para o debate político. Esta percepção é devastadora para a reputação de Lourenço e para o papel de Angola no cenário africano.

João Lourenço tem agora uma escolha a fazer: continuar no caminho do autoritarismo e do isolamento, ou redimir-se, promovendo a reconciliação e o diálogo. Como presidente da União Africana, ele tem a responsabilidade de liderar pelo exemplo, mostrando que a democracia e os direitos humanos são valores inegociáveis.

A comunidade internacional deve também tomar nota destes acontecimentos. A expulsão de líderes políticos e a repressão da oposição não podem ser normalizadas. É essencial que organizações como a União Africana e as Nações Unidas condenem estas acções e exijam mudanças concretas.

Em última análise, a história julgará João Lourenço não pelas suas palavras, mas pelas suas acções. Se continuar a cultivar o ódio e a divisão, o seu legado será o de um líder que traiu os princípios da paz e da união. Mas se optar por mudar de rumo, promovendo o diálogo e o respeito pelos direitos políticos, ainda há esperança de que possa recuperar o título de “príncipe da paz”.

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