A escassez de combustíveis, com particular incidência no gasóleo (diesel), está a alastrar-se por todas as províncias de Moçambique, incluindo a capital Maputo, e já se tornou um fenómeno transversal, afectando severamente a mobilidade e o normal funcionamento das actividades económicas e sociais em todo o País. A origem da crise, que está a devolver a perigosa prática de armazenamento de combustíveis em recipientes plásticos, está na escassez de divisas internacionais, em particular o dólar norte-americano, essencial para a importação de combustíveis.
Texto: Anastácio Chirrute
Na província de Inhambane, a situação é especialmente crítica nas cidades de Maxixe e Inhambane, onde a maioria das bombas de combustível já não dispõe de diesel há várias semanas. De um total de cerca de dez postos de abastecimento na cidade da Maxixe, apenas dois ainda tinham algum stock residual de gasóleo até ao fecho desta edição, enquanto os restantes apenas forneciam gasolina. Na cidade de Inhambane, o cenário é ainda mais desolador: quase todas as bombas estão encerradas ou apenas operam com gasolina, incapazes de satisfazer a crescente procura.
Impacto brutal no dia-a-dia
Os mais afectados são os estudantes e os funcionários públicos, obrigados a percorrer longas distâncias a pé para chegarem às escolas e aos locais de trabalho. Os transportadores semicolectivos e os camionistas de carga enfrentam enormes dificuldades em manter as suas viaturas operacionais, o que tem um impacto directo na distribuição de bens e serviços essenciais.
Num esforço para contornar a escassez, alguns automobilistas deslocam-se a distritos vizinhos como Morrumbene, Massinga ou Vilankulo, à procura de combustível. No entanto, a procura também ali já supera a oferta disponível.
Américo Fernando, motorista de transporte inter-distrital, percorre diariamente o trajecto Maxixe–Massinga. Encontrámo-lo desesperado à procura de combustível, já com o depósito da viatura na reserva: “a situação é esta que está a ver. Não temos combustível aqui na cidade, nem sequer os revendedores informais têm produto. Isto é um sofrimento. Eu não previa que este problema pudesse acontecer logo hoje, e com a previsão de piorar nos próximos dias.”
Já Nélio Nhabete, outro automobilista, viu-se forçado a parar a sua actividade profissional — a sua única fonte de rendimento — por falta de combustível. “O meu carro está parado há dois dias. A actividade que me sustenta está comprometida. Não sei como garantir comida para os meus filhos. Embora as manifestações tenham parado, não sabemos se os investidores estão a abandonar o país por receio. Gostaria de pedir às autoridades que façam tudo o que estiver ao seu alcance para inverter esta situação, porque já está a ultrapassar os limites.”
Crise recorda ambiente vivido durante manifestações pós-eleitorais
Este cenário de incerteza, agravado pela escassez de combustível, tem levado muitos automobilistas a recorrer ao armazenamento de combustível em recipientes plásticos nas suas residências, numa tentativa de se prevenir contra o possível agravamento da crise. Esta prática, para além de perigosa, reflecte o clima de medo e insegurança colectiva, e remete a memória para os momentos de tensão vividos no auge das manifestações pós-eleitorais de finais de 2024.
Nessa altura, em resposta às convocações de paralisações promovidas por Venâncio Mondlane — então candidato presidencial que contestava os resultados das eleições de 9 de Outubro de 2024 —, milhares de cidadãos nas grandes cidades apressaram-se a fazer stock de produtos básicos, enchendo mercados e supermercados em antecipação de possíveis distúrbios e escassez.