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ALERTA CARLOS MUIANGA: Política monetária continua a travar transformação económica

A política monetária em Moçambique está longe de cumprir o seu papel estruturante no desenvolvimento económico do País e, em vez de apoiar a transformação produtiva, tem contribuído para a sua estagnação. Esta é a principal conclusão de um estudo assinado pelo economista Carlos Muianga, investigador do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), publicado esta semana no boletim IDeIAS.

Texto: Amad Canda

No centro da análise estão as chamadas tensões e contradições da política monetária, que, segundo Muianga, “resultam da forma como os instrumentos do Banco de Moçambique são concebidos e aplicados, frequentemente sem ligação às condições estruturais reais da economia nacional”.

O autor começa por questionar a eficácia das medidas actuais, como a taxa MIMO e as reservas obrigatórias, observando que, na prática, estas limitam o acesso ao crédito, encarecem o capital e desincentivam o investimento nos sectores produtivos. “Mesmo quando o banco central baixa as taxas de juro de referência, mantém inalteradas — e muito elevadas — as reservas obrigatórias, o que anula qualquer efeito de expansão económica”, aponta Muianga.

Contradições entre discurso e realidade

Num contexto de fragilidade económica agravada pelas crises de acumulação e pela dependência da exportação de matérias-primas, o IESE identifica um descompasso entre o discurso oficial e a realidade vivida pelas empresas. Por um lado, as autoridades monetárias reiteram que o País dispõe de reservas internacionais líquidas “saudáveis”, mas, por outro, impõem limites severos à sua utilização, criando escassez artificial de moeda externa.

“Temos reservas suficientes, mas não as podemos usar” — é uma das ironias apontadas por Muianga, que critica o facto de o discurso oficial não ser sustentado por medidas eficazes para impulsionar a produção nacional, o investimento e o emprego decente.

Segundo o economista, “o Banco de Moçambique insiste numa política monetária assente quase exclusivamente no controlo da inflação, ignorando os imperativos da transformação económica”. E acrescenta: “Preservar o valor do metical não pode significar negligenciar o crescimento, a diversificação e o emprego.”

Uma política que penaliza os mais fracos

Um dos pontos centrais do artigo é a análise do impacto desta política sobre os actores económicos nacionais, sobretudo os que estão fora das cadeias de exportação e dos grandes projectos extractivos. Muianga observa que o sistema bancário continua altamente concentrado, oligopolizado e orientado para os interesses das elites urbanas e do capital estrangeiro, deixando os sectores produtivos nacionais à margem do crédito.

“Os custos do capital são elevadíssimos e as garantias exigidas são inatingíveis para a maioria das pequenas e médias empresas”, sublinha. Por isso, as medidas monetárias, em vez de aliviar as dificuldades de financiamento, acabam por “criar um fosso ainda maior entre quem tem acesso a recursos e quem precisa deles para produzir”.

Austeridade como norma e obstáculo

Outro eixo da crítica apresentada pelo estudo refere-se à austeridade sistemática, considerada pelo IESE como um dos factores que mais têm travado a recuperação económica do país. Para Muianga, a insistência numa política de contenção orçamental e restrição monetária só tem servido para “proteger os activos financeiros, ao mesmo tempo que compromete a expansão da base produtiva nacional”.

Em termos gráficos, o boletim do IESE apresenta duas figuras que ilustram estas contradições: a primeira mostra como, desde 2024, a política monetária aparenta ser expansionista nas taxas de referência, mas contraccionista nas reservas obrigatórias. A segunda compara as taxas de juro aplicadas pelos bancos com a inflação, revelando margens excessivas — ou “spreads” — que dificultam o financiamento do sector produtivo e penalizam o mercado doméstico.

A mensagem final do estudo é clara: a transformação económica exige mais do que estabilidade monetária. Para o IESE, é fundamental alinhar a política monetária com os objectivos de desenvolvimento nacional, nomeadamente a industrialização, a substituição de importações, a diversificação das exportações e a criação de emprego sustentável.

“A política monetária deve ser instrumento de transformação estrutural, e não apenas de controlo de variáveis nominais”, conclui Muianga. E deixa um aviso: enquanto estas tensões e contradições persistirem, Moçambique continuará a caminhar numa direcção contrária à da justiça económica e do desenvolvimento inclusivo.

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