Em pleno mês em que se celebra o Dia Internacional da Criança, com ápice no domingo, 01 de Junho, continua a haver mais motivos de preocupação do que de alegria, incluindo na cidade de Maputo, cujas artérias continuam a revelar uma realidade dura e silenciada: o inquestionável aumento do número de crianças envolvidas em actividades de trabalho infantil, trocando brinquedos e livros pelo trabalho informal, numa luta constante pela sobrevivência.
Texto: Dossiers & Factos
O trabalho infantil continua a ser uma realidade visível nas artérias e mercados da capital moçambicana. Crianças em idade escolar são diariamente avistadas a vender água, frutas, bolinhos ou a engraxar sapatos, numa tentativa de ajudar nas despesas familiares. Muitas justificam esta situação com a falta de condições financeiras e a pobreza extrema. Esta prática, apesar de ilegal, ocorre à vista das autoridades, que pouco ou nada fazem para alterar o cenário.
Não é para menos. De acordo com um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef ), lançado na segunda-feira, 26 de Maio de 2025, cerca de 13 milhões de crianças moçambicanas – de um total de mais de 16 milhões – vivem em situação de pobreza, representando 77% da população infantil do país.
O documento destaca que a crise económica, resultante das dívidas ocultas, da pandemia da COVID-19, dos choques climáticos e dos conflitos armados, tem agravado a pobreza monetária entre as crianças moçambicanas.
Por seu turno, o Ministério do Trabalho, Género e Acção Social estima que mais de 2 milhões de menores estejam em situação de trabalho infantil em Moçambique, sobretudo no comércio informal, apontando a pobreza extrema como um dos principais factores que alimentam esta tendência.
Nas ruas movimentadas do centro da cidade e em mercados informais como os do Zimpeto e da Baixa, é comum ver crianças a vender água, doces, recargas telefónicas ou a carregar mercadorias pesadas em carrinhos de mão. Muitas destas crianças têm menos de 14 anos, idade mínima legal para o exercício de qualquer actividade laboral leve, o que constitui uma clara violação da Lei do Trabalho e da Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança.
Sonhos roubados pela luta por sobrevivência
Dossiers & Factos entrevistou algumas crianças e vendedoras em vários pontos da cidade de Maputo, onde o trabalho infantil informal é prática recorrente.
Beto, um adolescente de 17 anos, relata como chegou à província de Maputo e percorre diariamente os arredores do mercado do Zimpeto com um balde de bolinhos à cabeça: “Chamo-me Beto, tenho 17 anos. Vivo na casa do meu tio em Matendene. Eu vivia em Xai-Xai e vim para cá à procura de melhores condições de vida. Vendo bolinhos aqui no mercado do Zimpeto para o meu tio, e, no final do mês, recebo 2 mil meticais. Nunca estudei porque não tenho condições, nem documento de identificação, mas gostaria de voltar à escola. Estou aqui há um mês e ainda não passei por nenhum perigo, mas tenho medo de apanhar uma doença ou que algo me aconteça”, conta.
Casos como o de Beto são frequentes e revelam a dura escolha entre a escola e a sobrevivência. Felipe, outro adolescente de 16 anos, vende argolas no mesmo mercado. Está há um mês em Maputo e afirma que os estudos foram interrompidos pela busca de melhores condições de vida: “Saí de Gaza para vir trabalhar. Tive de deixar a escola na 6.ª classe. A minha mãe vive aqui em Maputo e chamou-me para trabalhar para alguém e receber 2 mil meticais. Vivo com ela e o meu irmão. Entro no mercado às 8 horas e só saio quando termino as argolas. Gostaria de voltar a estudar”, acrescenta.

Na mesma situação, encontra-se Teresa, uma jovem de 17 anos que trabalha nas imediações do mercado central, na Baixa: “Comecei a trabalhar no ano passado. Vivo na casa da minha patroa. Trabalho todos os dias e saio cedo de casa. Só volto quando termino de vender os bolos, e, quando chego, continuo com os trabalhos domésticos. No fim do mês, recebo 2.500 meticais. Não estudo porque não tenho tempo e a patroa não me deixa estudar. Abandonei a escola na 7.ª classe depois de o meu pai ter perdido a vida em Inhambane. Fui chamada pela minha tia para vir trabalhar aqui em Maputo. Aceitei porque queria dinheiro para ajudar a minha família. Agora já não posso continuar na escola”, desabafa com um olhar triste.
Outro caso preocupante é o de Mário, de 15 anos, que vende arrufadas nas ruas da Baixa: “Estou aqui a vender há um mês. Saí de Xinavane para cá para ajudar a minha família. Estou a estudar, estou na 9.ª classe na Escola Patrice Lumumba. A pessoa para quem trabalho é da família e trata-me bem”, relata.
Além disso, Teresa Macuácua, vendedora no mercado central da Baixa, confirma que a maioria das crianças trabalha para apoiar as famílias: “Vejo crianças a trabalhar desde muito cedo. Algumas vêm aqui vender produtos até à noite. É triste, porque deviam estar na escola”, afirma.
Enquanto isso, nas ruas de Maputo, os pequenos vendedores continuam a desafiar o trânsito, o sol escaldante e a indiferença da sociedade, em busca de sustento. A cada dia que passa, cresce o apelo por acções concretas que garantam a estas crianças um futuro digno, longe da exploração e do abandono.
A exploração infantil não afecta apenas o presente destas crianças, mas compromete seriamente o futuro de uma geração inteira. Sonhos são interrompidos, e o ciclo de pobreza perpetuasse.
No seio da sociedade, é cada vez mais consensual a ideia de que o Governo, as organizações cívicas e a comunidade internacional devem unir esforços para proteger as crianças, garantindo-lhes estabilidade, acesso à educação, um ambiente seguro e a possibilidade de sonhar e realizar os seus objectivos.
Até lá, o sorriso de muitas crianças continuará escondido entre bancas, sacos e caixas — longe dos direitos que deveriam estar a ser celebrados neste mês que lhes pertence.