– Eleição de Ossufo Momade foi a melhor decepção da história do partido
A Renamo, segundo maior partido da oposição em Moçambique, continua a atravessar momentos difíceis, marcados por desavenças, agitação e até episódios de violência. Esta situação arrasta-se desde que Ossufo Momade assumiu a presidência do partido, agravando-se substancialmente após a humilhante derrota eleitoral de 2024, que relegou a “perdiz” para a terceira posição e “entregou” ao Podemos o estatuto de maior força da oposição. Elias Dhlakama, irmão mais novo do falecido líder Afonso Dhlakama, general na reserva, cofundador da Renamo e antigo candidato à presidência do partido, aceitou falar em entrevista exclusiva ao Dossiers & Factos sobre a crise interna que abala a organização. Para ele, a solução é clara: a demissão de toda a actual estrutura directiva, do topo até à base, e a eleição dos delegados ao Congresso Nacional por voto directo, em substituição da indicação que, segundo afirma, se tornou prática comum.
Texto: Anastácio Chirrute, em Inhambane
Relativamente ao actual estado do partido, Elias Dhlakama não esconde a frustração. “Se eu disser que o ambiente está bom, estaria a mentir para mim mesmo, porque até um cego consegue ver”, aponta o político, acrescentando que tudo fará para que esta formação política, herdeira do movimento de guerrilha que travou a guerra de 16 anos com o Governo moçambicano, se reerga e volte aos seus melhores tempos, o que na sua opinião passa necessariamente pela queda do actual presidente, Ossufo Momade.
Não é o único com este raciocínio. Prova disso é que, nos últimos meses, desmobilizados de guerra da “perdiz” têm estado a encerrar sedes e delegações provinciais como forma de pressionar Momade a abdicar do poder. Relativamente a estas acções, o general na reserva não tem dúvidas de que, em algum momento, surtirão o efeito desejado. “Se não quiser sair por bem, será afastado”, assegura, antes de lembrar que a Renamo nasceu de um grande sacrifício e que tal não pode ter sido em vão.
Para Dhlakama, é doloroso ver a Renamo em terceiro lugar, quebrando a histórica bipolaridade protagonizada com a Frelimo, num duelo que o lembrava os democratas e republicanos nos Estados Unidos, pese embora não haja alternância em Moçambique.
“Ossufo Momade chegou à liderança por batota”
Na visão de Elias Dhlakama, Ossufo Momade não chegou à presidência da Renamo por mérito, mas sim através de manipulações internas ligadas à escolha dos delegados ao congresso. Segundo o dirigente, a prática de substituir a eleição directa pela indicação tem distorcido o processo e conduzido a escolhas desastrosas. “As pessoas não ganham por mérito, ganham por batota, e os membros só percebem mais tarde que fizeram a escolha errada”, afirma.
Para sustentar a sua posição, Dhlakama sublinha que um verdadeiro líder deve ser escravo da sua palavra, possuir mérito reconhecido e ter boa reputação na sociedade. Sem esses atributos, diz, não passa de uma figura decorativa. Numa comparação polémica, recorda o caso de Bill Clinton, que, segundo ele, foi amplamente apoiado por jovens nos Estados Unidos mais pela aparência do que pelas qualidades políticas.
É neste enquadramento que Elias classifica a eleição de Ossufo Momade como a maior decepção da história da Renamo. “Ninguém esperava que o partido estivesse na situação em que se encontra hoje. Os adversários aproveitam-se das nossas fragilidades. É como no futebol: quando uma equipa perde, jogadores e adeptos responsabilizam directamente o treinador. Ele tem de pagar o preço”, critica.
A solução, na sua leitura, é inequívoca: a exoneração de toda a liderança, do topo à base, e a reposição da eleição democrática dos delegados ao Congresso Nacional. Defende que as conferências deveriam realizar-se em todas as províncias, distritos e localidades, para garantir representatividade e legitimidade. “Hoje, o líder aproveita-se do cargo para impor a sua vontade, obrigando os delegados a obedecer com medo de perderem posições. Isso é batota”, acusa.
Apesar da crise, Elias Dhlakama assegura nunca ter ponderado abandonar o partido. Afirma que preferiria trabalhar a terra em Mangunde a juntar-se a partidinhos que, no seu entender, apenas serviriam de refúgio a quem traiu a Renamo. Para si, a lealdade é um princípio inegociável.
Ainda assim, mantém-se confiante no futuro da organização. Reconhece que os problemas são profundos, mas acredita que reformas sérias podem devolver ao partido a sua força e dignidade, garantindo-lhe o lugar que sempre teve no xadrez político nacional.
“Era melhor ter mantido Nyusi”
Só depois de abordar a vida interna da Renamo, Elias Dhlakama voltou-se para o País para avaliar o desempenho do actual Governo, liderado por Daniel Francisco Chapo. A sua leitura é crítica, já que considera que Moçambique continua a enfrentar os mesmos problemas de sempre, apenas com novos discursos no lugar dos antigos.
“Como País, nada mudou. O que mudou foram apenas os discursos. As coisas estão do mal para pior”, acusou, acrescentando que nunca se vira antes um tractor ser adoptado como meio de transporte quando sempre fora um instrumento de produção. Para ele, o excesso de retórica em detrimento da acção explica fenómenos como a instabilidade em Cabo Delgado, abraços com o terrorismo há oito anos. Aos seis meses de governação de Chapo, não tem dúvidas em atribuir-lhe uma nota negativa.
Dhlakama alerta ainda para sinais de deriva autoritária contra a oposição. Evocou, como exemplo, o caso de Venâncio Mondlane, que sempre que regressa ao País é recebido com tiros e gás lacrimogéneo, com apoiantes e simpatizantes entre as principais vítimas. “Será que isso é democracia? Não estaremos a recuar para o monopartidarismo?”, questiona.
Na sua óptica, o Governo deveria falar menos e agir mais, enfrentando os problemas concretos que afectam os mais de 33 milhões de moçambicanos. “Há muito por fazer. É preciso parar com os discursos e partir para acções práticas”, sublinha.
Numa nota final, vai mais longe ao sugerir que até teria sido preferível manter Filipe Nyusi no poder, desde que se mudassem as políticas de governação. “O que queremos são mudanças”, concluiu.