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8 ANOS DE C.DELGADO: Comandantes gerais Bernardino e Sive: primeiros e com muita história

Joaquim Sive e Bernardino Rafael foram os primeiros comandantes generais da Polícia da República de Moçambique a enfrentarem o terrorismo de Cabo Delgado, um (Joaquim Sive) na qualidade de comandante provincial da PRM em Cabo Delgado, na altura (2017) e o outro (Bernardino Rafael) como comandante-geral da corporação na época. Estas duas figuras têm longas histórias por revelar, olhando para a complexidade do dossier terrorismo em Cabo Delgado, que no próximo dia 05 de Outubro, infelizmente, vai completar oito anos de mortes, destruição e aumento da pobreza a milhares de concidadãos naquela província.

Texto: Serôdio Towo

Tudo começou no distrito de Mocímboa da Praia, no dia 05 de Outubro de 2017, que logicamente ninguém deseja lembrar, quando um numeroso grupo de homens surpreendeu as Forças de Defesa e Segurança, fortemente armados, irrompendo para atacar, matando e destruindo quase que por completo a vila portuária de Mocímboa da Praia, em Cabo Delgado, uma acção que obrigou o Estado a movimentar o na altura comandante provincial da PRM, Joaquim Sive, a comandar um contingente de diferentes unidades da corporação no sentido de perseguir e, se possível, capturar e extremar caso necessário os que até aquela altura eram tidos apenas por homens armados.  

Na verdade, o Estado moçambicano estava num aparente sono profundo com relação a este fenómeno, que tristemente caminha para uma década e sem sinais do fim. Isso é corroborado pelo facto de os sinais de terrorismo serem até anteriores a 2017. É que, já em 2016, houve registo de actos de subversão em alguns distritos, a exemplo de Chiúre, protagonizados por elementos de seitas islâmicas radicais.  Aliás, na altura houve detenções e julgamentos, tendo estes elementos sido condenados a penas acessórias, em alguns casos a pouco mais de um ano de prisão, devido aos condicionalismos impostos pela legislação vigente na altura. Foi na sequência da soltura destes indivíduos, depois de cumpridas as penas, que se dá o ataque de Outubro de 2017, tido como o marco do início da violência extrema em Cabo Delgado.  

Porque não há um sem dois, nem dois sem três, foi assim que sucessivamente os ditos homens armados foram somando uma série de ataques, até ocupando vilas distritais por curtos e longos períodos, deixando certas áreas ingovernáveis, obrigando à introdução de várias acções combativas e militares por parte do Estado para recuperar as referidas áreas, às quais juntam-se outras de foro legal, como a aprovação da Lei nº 15/2023, que estabelece o Regime Jurídico de Prevenção, Repressão e Combate ao Terrorismo e Proliferação de Armas de Destruição em Massa e revoga a Lei n.º 13/2022, de 8 de Julho.  

 À luz da nova Lei, dezenas de terroristas foram condenados a penas mais consentâneas, encontrandose alguns a cumprir penas no Estabelecimento Penitenciário de Máxima Segurança, vulgo B.O, sendo certo que uma parte poderá ter-se evadido aquando da fuga em massa registada em Dezembro de 2023.  

Foi, pois, nestes contextos que as duas figuras acima mencionadas terão ocupado um lugar central na história e no segredo da luta e combate ao terrorismo. Dossiês & Factos, oito anos depois do início desta intolerante guerra, arrisca-se a reconhecer que Bernardino Rafael, já na reserva, e Joaquim Sive, que ascendeu sete anos depois, ao cargo de comandantegeral, têm muito por ensinar à sociedade com relação aos diferentes contornos deste fenómeno.

Intensificação dos ataques e mudança de abordagem

A resposta policial ao terrorismo, apesar de importante, foi sempre vista como insuficiente pela opinião pública, que desde o início defendeu a entrega deste “dossiê” às FADM. Contudo, foi apenas depois de uma significativa escalada dos ataques — com destaque para a captura da vila de Mocímboa da Praia, em Agosto de 2020 — que o Governo moçambicano passou a adoptar com mais clareza uma abordagem militar ao fenómeno, sem, no entanto, abdicar dos préstimos da PRM, razão pela qual o protagonismo de Bernardino Rafael manteve-se praticamente intacto.  

Paralelamente, o Estado apostou na contratação polémica e secreta de empresas militares privadas e estrangeiras para, lado a lado com as FDS, travarem incessantes combates com os terroristas localmente conhecidos como “al shababos”, pesem embora não tenham qualquer ligação com o grupo al shabab, que actua na Somália. 

Assim, vieram a Moçambique o Grupo Wagner, da Rússia (finais de 2019 e início de 2020), e o sul-africano DAG (de 2019 a 2021), saindo sem grandes resultados no famoso Teatro Operacional Norte (TON). 

Nessa altura crescia também a pressão da sociedade para que o Governo moçambicano, sob liderança de Filipe Jacinto Nyusi, solicitasse apoio externo. No entanto, o Chefe de Estado e o partido Frelimo tinham uma percepção diferente, como fez questão de clarificar, em Abril de 2021, o então secretário-geral da Frelimo, Roque Silva Samuel.

“Se a solução para o problema do terrorismo residisse no apoio com tropas de fora, o Afeganistão não estaria a enfrentar ainda o problema do terrorismo”, afirmou.  

Todavia, essas declarações foram feitas apenas um mês depois do bastante mediatizado ataque à vila de Palma, que levou a que a TotalEnergies decretasse força maior e abandonasse os trabalhos tendentes à exploração do gás natural liquefeito na Área 1 da Bacia do Rovuma. A circunstância de a multinacional francesa ter condicionado o regresso ao restabelecimento das condições de segurança é vista como tendo sido decisiva para que o Governo finalmente mobilizasse apoio externo.  

Neste contexto, Nyusi assegurou o auxílio das Forças de Defesa do Ruanda, cujo primeiro efectivo, com mais de dois mil homens, chegou a Cabo Delgado em Julho de 2021, semanas antes da entrada da Missão da SADC em Moçambique (SAMIM), composta por tropas da África do Sul, Botswana, Lesoto, Zimbabwe, Malawi e Tanzânia.  

Ao contrário dos mercenários do Grupo Wagner e do DAG, a intervenção conjunta das forças moçambicanas, ruandesas e da SADC logrou resultados positivos, na medida em que libertou zonas ocupadas pelos terroristas, capturou algumas das suas mais importantes bases, debilitando sobremaneira aquele grupo armado, supostamente de inspiração islâmica.  

Actualmente, ruandeses e tanzanianos são as únicas presenças militares externas em Cabo Delgado, sendo que os tanzanianos actuam junto à fronteira, na perspectiva de impedir a entrada dos terroristas no seu território.

Interesses externos alimentam sofrimento em Cabo Delgado

Entretanto, estrangeiros também desempenham um papel central na insurgência em Cabo Delgado, conforme reconheceu o então Presidente da República, Filipe Nyusi, em 2020, durante um encontro virtual com o então presidente do Banco Mundial, David Malpass. Nyusi afirmou que há sinais claros de que indivíduos estrangeiros estão a recrutar e a treinar jovens locais, fornecendo-lhes armamento e equipamento de origem desconhecida, contribuindo para o aumento da violência na província.  

 Entre estes líderes estrangeiros destaca-se Abu Yasir Hassan, tanzaniano nascido entre 1981 e 1983, conhecido também como Yaseer Hassan ou Abu Qasim, que lidera a província de Moçambique do Estado Islâmico. A presença de Hassan e de outros combatentes externos evidencia a dimensão transnacional do conflito, reforçada pelo alegado apoio do Estado Islâmico. Este suporte visa não apenas intensificar os ataques, mas também impor sofrimento e perpetuar o subdesenvolvimento na região de Cabo Delgado, comprometendo a segurança e a estabilidade social.

Goradas tentativas de expansão

Fundamentalmente, a acção dos terroristas que actuam em Moçambique limita-se aos distritos da zona norte de Cabo Delgado, mas já houve ataques esporádicos às províncias vizinhas, nomeadamente Nampula e Niassa. A título de exemplo, em Abril de 2024, os terroristas invadiram o distrito de Eráti, em Nampula, onde destruíram cerca de 200 casas, para além de infra-estruturas sociais — escola, posto de saúde e igreja.  

Quanto à província do Niassa, destaca-se o episódio mais recente, nomeadamente a incursão na Reserva Especial do Niassa, a maior área de conservação do País, entre Abril e Maio do ano em curso. De acordo com alguns analistas, estas incursões pelas províncias vizinhas visavam apenas o reforço da capacidade logística dos terroristas, na sequência do “aperto” que lhes está a ser imposto pelas FDS e seus parceiros internacionais em Cabo Delgado.  

Ainda assim, essas movimentações fizeram soar os alarmes, até porque não se sabe se os insurgentes estão conformados com Cabo Delgado ou se também desejam alargar a sua nefasta presença a outros pontos do País.

O pecado da riqueza em minerais

É ponto assente que a abundância de recursos naturais constitui um dos principais catalisadores da guerra em Cabo Delgado. Para além das enormes jazidas de gás na Bacia do Rovuma, a província possui minérios de toda a sorte, incluindo rubis e outros minerais valiosos, cuja exploração tem despertado interesses tanto internos quanto externos. O controlo destes recursos tornou-se, assim, um dos motores da guerra, alimentando disputas violentas e perpetuando o sofrimento das populações locais.  

No estudo do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), intitulado “Cabo Delgado e o risco sistémico da guerra em Moçambique”, os autores defendem que a exploração de recursos naturais na província é um factor central do conflito. A descoberta de gás e rubis, associada à gestão inadequada desses bens, cria tensões profundas, transformando a riqueza mineral num catalisador de instabilidade. 

O observatório Cabo Ligado, que monitoriza os conflitos em Moçambique, reforça esta tese, destacando que a presença de empresas multinacionais na exploração destes recursos atraiu a atenção de grupos extremistas, como o Estado Islâmico. A luta pelo controlo dos minerais e do gás tem alimentado os ataques e contribuído para o prolongamento da insurgência.  

Tristemente, no centro desta dinâmica estão os mais vulneráveis: os cidadãos pobres que vivem da agricultura e da pesca. Muitos são mortos, outros são forçados a abandonar as suas zonas de origem e a procurar abrigo em centros de acolhimento, perdendo os meios de subsistência que sustentavam as suas famílias. Nesta realidade cruel, a riqueza em minerais transforma-se num verdadeiro “pecado”, alimentando a cobiça, a violência e a miséria em Cabo Delgado.

Oito anos de sangue e destruição

 De acordo com a Plataforma de Monitoria de Conflitos ACLED, desde a eclosão do terrorismo em Outubro de 2017, foram registados 2.173 eventos de violência, resultando em 6.188 mortos, dos quais 2.568 civis.

A crise gerou ainda um elevado número de deslocados internos. Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), apenas neste ano cerca de 60 mil pessoas foram obrigadas a abandonar as suas casas. Já o total de deslocados desde o início da guerra ultrapassa 1,3 milhões de pessoas.  

Refira-se que, para além do impacto humano, a economia local também foi profundamente afectada. Inúmeros empresários viram os seus empreendimentos saqueados ou completamente destruídos, e muitos optaram por abandonar a província devido à insegurança, deixando um rasto de paralisação económica e aumento da vulnerabilidade social.

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