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EDITORIAL D&F 628: O escárnio das pedras preciosas

Ao ver o vídeo recentemente posto a circular, exibindo quantidades impressionantes de rubys moçambicanos num local não identificado, é impossível conter a emoção. Não se trata apenas do brilho das pedras preciosas, mas da obscenidade que representam quando confrontadas com a dura realidade de Montepuez, onde foram extraídas. Uma terra marcada pela pobreza extrema, onde os habitantes vivem como se nada de valor ali existisse.

Aquelas pedras, que no mercado internacional valem milhares de milhões, não se reflectem na vida das comunidades locais. Ao contrário, parecem acentuar ainda mais o contraste entre a riqueza subterrânea e a miséria à superfície. É um retrato cruel de um País rico em recursos, mas pobre em justiça económica e social.

Este caso não é isolado. Em várias províncias, o mesmo padrão repetese: recursos vendidos ao desbarato, concessões mal negociadas, contrapartidas mínimas e comunidades que continuam à margem do desenvolvimento. É a história de um Moçambique que, meio século depois da independência, ainda não conseguiu transformar o seu potencial em progresso palpável.

É certo que enfrentámos obstáculos de vulto: a guerra dos 16 anos, sucessivas crises político-militares, os efeitos devastadores das mudanças climáticas e dos ciclones. Mas nada disso justifica, em pleno século XXI, o atraso estrutural de um País que possui alguns dos recursos mais cobiçados do planeta. O que se vê é menos fruto da adversidade e mais resultado da má governação.

Com rubys, ouro, gás, terra arável, areias pesadas, fosfatos, grafite e tantas outras riquezas, a pobreza não pode ser considerada destino. É, antes, a consequência de escolhas políticas e económicas que privilegiam a ganância de poucos em detrimento do bem-estar colectivo. É um crime silencioso, cometido contra milhões de moçambicanos.

Ninguém pode continuar a esconderse atrás de desculpas. Não se trata apenas de erros técnicos ou de limitações de capacidade institucional. Trata-se de um sistema que permite que recursos estratégicos sejam apropriados por interesses particulares, nacionais e estrangeiros, sem que a maioria da população sinta qualquer benefício.

É urgente inverter este cenário. O País não pode continuar a trocar o futuro das próximas gerações por ganhos imediatos que se concentram nas mãos de uma elite restrita. Persistir neste caminho significa perpetuar a dependência externa, o subdesenvolvimento e a exclusão social.

A independência económica, tantas vezes proclamada em discursos oficiais, continuará a ser apenas um jargão político vazio enquanto não houver uma estratégia séria de valorização interna dos nossos recursos. O tempo das promessas já passou. O que o povo exige agora são resultados concretos: escolas, hospitais, estradas, energia e empregos.

Cada ruby extraído em Montepuez, cada tonelada de gás em Cabo Delgado, cada hectare de terra fértil em Gaza ou Zambézia deveria traduzir-se em riqueza distribuída, em oportunidades criadas, em dignidade devolvida às comunidades. Mas, para isso, é necessário um Estado que regule, fiscalize e negoceie em nome do interesse nacional e não dos interesses privados de ocasião.

O contraste entre o que temos e o que somos não pode continuar a ser naturalizado. É preciso romper com a narrativa fatalista de que Moçambique é eternamente pobre. Não, Moçambique é deliberadamente empobrecido. E isso deve indignar-nos a todos.

Mais do que indignação, é necessária acção. A sociedade civil, a imprensa, os académicos e todos os cidadãos conscientes têm o dever de exigir transparência, responsabilização e justiça na gestão dos recursos naturais. Sem pressão social, os ciclos de exploração predatória não cessarão.

A história será implacável com aqueles que, por ganância ou omissão, condenaram um País tão afortunado à indigência. Mas ainda há tempo de corrigir a rota. O futuro de Moçambique depende da coragem colectiva de transformar riqueza natural em riqueza nacional. Caso contrário, continuaremos a ver apenas vídeos que chocam os olhos e ferem a alma.

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