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30 Anos depois, filho paga ao pai a guinguia (moela) que tirou da panela quando miúdo  

Hoje vamos falar de uma história que aconteceu com um conhecido meu, a quem prefiro chamar de Serôdio, nome fictício. Natural de uma das províncias da zona Centro do país, pai do meu amigo Serôdio era tão exigente e até machista que ultrapassava as medidas.

 

Segundo conta o seu filho, de tão chato que era o pai, também era controlador nas panelas de comida,  em especial nos dias em que era confeccionada carne para caril. Aliás, talvez fosse esta a cultura de muitas famílias que defendiam que a nguinguia, em Changana, ou seja, a moela em português, era reservada ao pai da família para que fosse ele a comer.

 

Era assim que o pai do Serôdio se impunha na sua casa e a medida devia ser observada à risca. No entanto, conta Serôdio que num belo dia, que coincidiu com a entrada para o ano novo, sua mãe preparou caril de carne de galinha para a refeição e, de seguida, ausentou-se de casa para saudar alguns vizinhos.

 

Na casa estavam apenas os dois irmãos, neste caso o Serôdio e o seu mais velho.  O meu amigo até reconhece que era o mexedor de coisas sem que fosse autorizado e esse dia não fugiu à regra. Conta que tinha por aí nove anos de idade e não perdeu a oportunidade. Foi à mesa, tirou das tigelas que já tinham sido servidas a moela e um outro pedaço sem ninguém o ver.

 

Tempo depois, o pai chegava à casa e se fazia à mesa para tomar a refeição e lá não havia nguinguia – moela. Lembra-se o meu amigo que o ambiente azedou. Houve muita porrada sobretudo para o seu irmão mais velho, que apesar de inocente não conseguia prová-lo ao seu pai e, ao que parece, a mãe também não escapou da fúria do homem que não encontrou a nguinguia na tigela.

 

Aquele, tal como conta Serôdio, serviu de último dia para mexer nas panelas e tigelas sem que lhe tivessem autorizado, porque ficou assustado com a forma como o seu irmão foi maltratado pelo pai por causa do sumiço da guinguia.

 

No entanto, este e outros episódios difíceis da infância dos dois irmãos ficariam marcados no coração de Serôdio, que foi estudando, cresceu e transferiu-se da sua terra natal para a capital, Maputo, onde viria continuar com os estudos e arranjar emprego até formar família.

 

O pai, que era enfermeiro de profissão, já atingiu a idade de reforma e, aposentado que era, foi convidado pelo filho – Serôdio – a vir a Maputo passar dias e aproveitar para cuidar da saúde, que já não era das melhores.

 

Belo dia, Serôdio foi a uma loja de frescos e descobriu que vendiam moelas. Nem mais, lembrou-se que seu irmão foi brutalmente espancado em pleno dia de festa porque ele – Serôdio – havia roubado nguinguia, mas o desconfiado foi o seu irmão mais velho.

 

Ali na loja, Serôdio comprou dois quilogramas de nguinguias e levou para casa. Pediu que sua esposa preparasse para servir todas nguinguias ao seu pai. Ora, a tigela ficou cheia e foi convidado o pai do Serôdio a se fazer à mesa e foi dito pelo filho para comer à vontade e sem receio. Ora, ao deparar-se com tantas nguinguias, o pai de Serôdio, que não sabia que em Maputo as moelas são vendidas em separado das próprias galinhas, perguntou ao filho quantas galinhas é que tinham abatido para conseguirem tantas nguinguias.

 

O filho aproveitou a ocasião para desabafar a mágoa que guardava há pouco mais de três décadas e começou a explicar. “Pai, coma. Eu comprei estas moelas no supermercado justamente por lembrar que pai gosta tanto de nguinguias que até nos maltratou bastante por causa delas”.

 

“Hoje pai deve comer o que mais gosta, estou a pagar aquelas que eu roubei quando criança. Mas também pai deve assumir que era muito mau que nem parecia um indivíduo escolarizado. Lembra-se que em pleno dia do início de ano ia matar mano por causa da nguinguia?”

 

Lá o pai quase que deixava cair lágrimas de tanta dor e arrependimento. Esta é mais uma das tantas histórias que acontecem no seio das nossas famílias. Aliás, ao falar de mitos ou culturas podemos lembrar que há famílias em que até a presente data mulheres não comem ovos, às crianças não é servida carne, apenas comem o próprio caril, sendo que a carne fica primeiro para o pai e depois para os restantes membros da família, os mais crescidos.

 

São coisas das nossas famílias empobrecidas até na mente. Nesta história, havendo qualquer semelhança, peço perdão.

 

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