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A base do desenvolvimento está viciada

Texto: Kátia Patricília Agostinho, Economista*

O sector privado tem o papel de produzir, enquanto o papel do Estado é o de criar um ambiente conducente a esse desiderato. O sector privado é parceiro crucial no desenvolvimento, criando empregos, movimentando a procura e oferta de bens e serviços e, assim, contribuindo para as receitas públicas, que, por sua vez, são reinvestidas nos serviços básicos do país.

O modelo de desenvolvimento rural que Moçambique adoptou oferece pouca sustentabilidade e, de alguma forma, vicia a base e torna-a dependente. A ênfase é dada aos programas de desenvolvimento, em forma de recursos financeiros, materiais e humanos, principalmente no sector agrícola; e ao Investimento Directo Estrangeiro. Quantas iniciativas de ajuda externa que Moçambique recebeu desde a independência, que podemos contar? E, ainda assim, continuamos subdesenvolvidos, com agudização dos níveis de pobreza. Não conseguimos criar capacidade de gerar poupança e investimento, nem de aumentar a nossa produtividade ao longo dos anos. Criou-se um círculo vicioso em que o aumento destas iniciativas não tem relação com as melhorias de condições de vida das pessoas. Pelo contrário, as condições de vida das pessoas, a sua resiliência, diminuem. Constituem evidências disso os recém-anunciados dados do Índice de Desenvolvimento Humano de Moçambique (181) e o estado de insegurança alimentar.

Mas, colocando à parte os contornos e complexidades da ajuda externa, existe uma responsabilidade nossa como Moçambicanos de criar as valências e aumentar o nível de produtividade desse influxo de recursos. Esta abordagem permitiria o aumento da renda e do poder de compra, incentivo à maior investimento, reduzindo a dependência do país da ajuda externa. Pelo contrário, a nível da base do desenvolvimento, naturalmente apelidada “zona rural”, criou-se um posicionamento de que sempre haverá mais uma oportunidade, o que cria mais dependência e cada vez maior necessidade de mais ajuda, pois não garantimos a sustentabilidade da anterior pelo facto de termos, a priori, conhecimento de que virá outra logo a seguir. Assim, o esforço induzido para que o resultado alcançado seja sustentável, acaba sendo diluído pela expectativa de que haverá mais.

Agrava este ciclo vicioso e a despreparação da base. Esta situação fragiliza também as iniciativas relacionadas a sectores específicos, uma vez que, se há problemas básicos de sobrevivência, há pouco espaço para considerar aquilo que poderia ser o próximo passo ou o “building block” no processo de construção de famílias resilientes e economicamente estáveis nas zonas rurais de Moçambique, como por exemplo:

Baixos níveis de educação. Apesar de ser de extrema importância pela sua contribuição na formação do capital humano nacional, o sector da Educação apresenta problemas estruturantes, como falta de escolas condignas e de qualidade, problemas de distribuição e acesso aos livros, falta de formação especializada (pedagogia) dos professores, entre outros. Nas zonas rurais, cerca de 32% da população não tem educação formal. Se não temos informação básica e as condições são difíceis, será ainda mais complicado aproveitar e capitalizar as oportunidades ou espaço para aprender questões mais complexas.

Limitação no acesso à informação e conhecimento. Na falta de infra-estruturas adequadas, a fonte de informação e conhecimento, nas zonas rurais, são as figuras de poder estabelecidas pelo sistema como secretário do bairro, chefe do quarteirão, régulo, entre outras. Mas este modelo já é, por si só, frágil, pois é facilmente influenciável por diversos factores, mas também porque, mesmo ao nível destas figuras de poder, no plano local, o conhecimento e informação são limitados.

Meios básicos de vida. Em certos casos, os níveis de pobreza são tão extremos que há uma necessidade de, antes de mais nada, munir as pessoas de meios e conhecimentos básicos de sobrevivência.

O comportamento da mão estendida. Temos predisposição para nos posicionarmos como aquele que precisa, sempre. Não temos sede de mostrar trabalho e nos orgulharmos dos resultados positivos que podíamos ter alcançado sempre que recebemos um empurrão através das iniciativas de desenvolvimento.

Efeitos das mudanças climáticas. Existem também factores externos condicionantes para o ciclo que existe. Mais de 70% da população moçambicana vive ao longo de zonas costeiras, estando exposta aos desastres naturais, tais como ciclones e cheias, resultando em deslocações regulares e impossibilitando as populações de criar bases em um lugar por muito tempo. Nesses casos, há sempre a necessidade de recomeçar.

Estes e outros factores limitam as iniciativas que tenham por objectivo reduzir o nível de pobreza extrema, que apresenta tendências crescentes. O processo de desenvolvimento devia ser encarado como um processo inclusivo e contínuo, com vista a alcançar altos níveis de produtividade e resiliência da população rural.

*Kátia Patricília Agostinho assina a coluna “Economicamente Falando”, do semanário Dossier Económico

 

 

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