Questões como a sustentabilidade do crescimento, a necessidade de formação técnica e a importância de planos de desenvolvimento próximos da realidade local marcaram a entrevista exclusiva concedida por Otsuka Kazuki, representante residente da Agência Japonesa de Cooperação Internacional (JICA) em Moçambique, ao Dossier Económico. Durante a conversa, Otsuka abordou os desafios do Norte do país, a gestão urbana de Maputo, os investimentos bilaterais com o Japão e o papel da cooperação internacional no desenvolvimento económico nacional.
Texto: Dossier económico
A JICA tem desenvolvido uma presença significativa no país, com projectos estruturantes em várias áreas. Entre os mais relevantes, destacam-se o Corredor Económico de Nacala, com um investimento de cerca de 300 milhões de dólares, e a construção de uma central térmica na mesma região. Além disso, a agência japonesa tem promovido a transferência de tecnologias para mais de 100 instituições públicas e privadas, formado mais de 17 mil moçambicanos no Japão e enviado cerca de 23 mil técnicos japoneses para o país.
Mais recentemente, a JICA tem colaborado com o Ministério da Saúde na implementação das cadernetas de mãe e criança, um instrumento que permite um acompanhamento mais eficaz da saúde materno-infantil. Para Otsuka, estes projectos demonstram a capacidade do Japão em apoiar o desenvolvimento técnico e institucional do país, mas não substituem a necessidade de Moçambique definir estratégias próprias.
O Norte: um desafio estratégico e local
O representante da JICA sublinhou que, apesar de os investimentos em infraestruturas serem importantes, o verdadeiro desafio está em assegurar que estes activos funcionem a plena capacidade, o que passa pela formação de quadros locais e pela definição de planos sólidos a nível provincial e comunitário. “O problema não é apenas construir grandes infraestruturas, mas pensar de forma organizada e preparar pessoas capazes de operar os empreendimentos”, afirmou.
O Norte do país é apontado como prioridade estratégica devido à sua riqueza em solos férteis e recursos minerais. No entanto, segundo Otsuka, o desenvolvimento sustentável da região exige planos específicos, concebidos para responder às particularidades locais. O fortalecimento do ambiente de negócios é outro ponto crucial: além de grandes investimentos, é necessária a organização de produtores em associações que permitam aumentar o poder de negociação e atrair investimentos privados. “Há terra e minerais, mas a produção é baixa. É necessário criar associações para melhorar o poder de negociação dos produtores”, reforçou.
Maputo como modelo de desenvolvimento urbano sustentável
Maputo é citada como um dos pilares das actividades da JICA em Moçambique. A agência tem trabalhado em projectos-piloto que visam melhorar o saneamento, os transportes urbanos e a prevenção de inundações, com o objectivo de que estas iniciativas sirvam de modelo para outras cidades do país.
Há uma década foi elaborado o plano de desenvolvimento urbano de Maputo. Actualmente, estão a ser implementados projectos para melhorar o fluxo de transporte de passageiros no Zimpeto e integrar o uso de comboios na mobilidade urbana, reduzindo o tráfego rodoviário. Paralelamente, decorre a elaboração de um plano de drenagem para Maputo e Matola, com intenção de replicar projectos-piloto nesta área.
No domínio do saneamento, foi criado o chamado “Modelo Maputo”, um sistema de gestão de resíduos sólidos que visa organizar a cidade e promover a sustentabilidade ambiental, e que poderá servir de referência para outros municípios moçambicanos. Para Otsuka, se bem aplicados e funcionais, estes projectos podem servir como espelho para o desenvolvimento urbano de todo o país.
Cooperação financeira e lições das dívidas ocultas
Otsuka Kazuki abordou ainda o impacto do escândalo das dívidas ocultas, que rebentou em 2016 e teve repercussões em 2018 com o caso EMATUM, afectando a credibilidade de Moçambique no mercado internacional e levando à suspensão temporária de empréstimos concessionais do Japão.
Contudo, com a retoma do projecto de gás natural liquefeito (GNL) na Bacia do Rovuma, surge um novo espaço de cooperação. O Japão, grande consumidor de gás natural, volta a considerar Moçambique um parceiro estratégico, com o GNL como plataforma para futuras parcerias bilaterais e investimentos.
Diversificação económica e desafios internos
O representante da JICA criticou a uniformidade da produção nacional observada na última FACIM, destacando que as produções provinciais em agricultura e pesca são muito semelhantes. Segundo ele, investir na diversidade produtiva e explorar vantagens comparativas permitiria tornar os produtos moçambicanos mais atractivos para o investimento e a exportação, além de melhorar a imagem do país junto de parceiros internacionais.
Otsuka reforçou que Moçambique precisa assumir o protagonismo do seu próprio desenvolvimento. “Não invalida os apoios externos nem a inspiração em estratégias estrangeiras, mas é fundamental que sejam adaptadas à cultura, à geografia, ao clima e à realidade moçambicanos”, afirmou. “Nós conhecemos o Japão e as estratégias que funcionaram lá, mas só os moçambicanos conhecem Moçambique. Apenas o país pode ser actor do seu próprio crescimento.”
Formação técnica e capital humano
Para Otsuka, um dos pilares do desenvolvimento sustentável passa pela formação técnica e pela valorização do capital humano. A JICA tem promovido programas de capacitação e transferência de tecnologia, mas a sustentabilidade destes investimentos depende da existência de quadros locais qualificados, capazes de gerir e operar os projectos no longo prazo.
Perspectiva de futuro
O representante da agência japonesa concluiu sublinhando que, embora o investimento estrangeiro seja essencial, Moçambique deve focar-se na criação de políticas internas que favoreçam a autonomia económica e o desenvolvimento inclusivo. Isto inclui fortalecer a agricultura, turismo, serviços financeiros e pequenas indústrias, ao mesmo tempo que se protegem os mais vulneráveis e se aposta em inovação tecnológica e sustentabilidade ambiental.
Otsuka Kazuki deixa uma mensagem clara: Moçambique só alcançará um crescimento equilibrado e sustentável se souber adaptar os recursos, experiências e conhecimentos externos à realidade nacional, garantindo que a população seja o principal beneficiário das políticas de desenvolvimento.