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Lula vs Bolsonaro: uma polarização baseada no ódio

O Brasil realiza eleições presidenciais hoje, dia 02 de Outubro. Trata-se de um pleito com 11 propostas, das quais apenas duas têm verdadeiras chances de triunfar. Luís Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Messias Bolsonaro (PL) são os rostos de uma polarização em que a negação do outro sobrepõe-se ao amor-próprio. O candidato do PT lidera as sondagens, mas o resultado é uma incógnita. (Quase) certo é que haverá segunda volta e que os brasileiros não escolherão o melhor candidato, mas o menos mau entre os dois rivais.

“Triste Brasil, que tem que escolher entre dois escândalos, do Petrolão e da Educação”. Estas palavras, da candidata Simone Tebet, do MDB, mais do que denunciar uma resignação tácita, espelham bem o ambiente de polarização que domina o Brasil de alguns anos a esta parte.

Lula da Silva e Jair Bolsonaro – esquerda e direita – comandam a cena política e são os favoritos à vitória na corrida eleitoral deste ano. A 25 de Setembro, por exemplo, e apesar de ter faltado ao debate do canal SBT, na noite  anterior, Lula continuava na liderança na pesquisa do IPEC, com 46%, contra 37% de Bolsonaro. Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet surgiam, pela primeira vez, empatados, com 5% cada.

“O voto do ódio”

Ironicamente, Lula e Bolsonaro são os candidatos com os índices de rejeição mais elevados. Em Julho, uma pesquisa do XP/IPESPE colocava o actual presidente da república com 58% e o seu rival com 43%. Estes dados são interpretados como sinal de que, entre os dois, os eleitores não votarão por convicção de que determinado programa seja o ideal para o país, mas para impedir que o Brasil seja dirigido por um ou por outro.

“Os dois não têm credibilidade perante parte significativa da população”, assinala Flúvio dos Santos Guedes, professor brasileiro, formado em Letras pela Universidade Cruzeiro do Sul.

Na base da notável rejeição estarão os escândalos de corrupção que pesam sobre ambos. Chefe de Estado entre 2003 e 2011, o socialista Lula da Silva granjeou a simpatia dos pobres, graças a programas como “Bolsa Família”, recuperado por Bolsonaro e rebaptizado com o nome de “Auxílio Brasil”.

O petista orgulha-se de ter colocado o país a crescer a ponto de se tornar credor do Fundo Monetário Internacional, mas seu reinado fica marcado por escândalos de corrupção, um dos quais relacionado com o recebimento de um apartamento tríplex, em Guarujá, oferecido pela construtora Odebrecht, supostamente em forma de suborno para a obtenção de contratos.

De resto, este é um dos casos que deu azo ao processo “Lava Jato”, que culminou com a prisão do antigo sindicalista, em 2018, mas foi também na sua administração que tiveram lugar escândalos como o Petrolão e o Mensalão.

O rasgado a rir-se do roto

Ladrão e ex-presidiário. É desta forma que Jair Bolsonaro se refere a Lula da Silva, em decorrência dos escândalos acima descritos. Mas o direitista está longe de ter uma carreira imaculada, quer na política, quer nas Forças Armadas. “Ele já foi preso por atentado contra a corporação e tem a cara de pau de chamar Lula de ex-presidiário”, recorda Flúvio Guedes.

Recentemente, uma reportagem do portal UOL denunciou a compra de pelo menos 51 imóveis por parte da família Bolsonaro usando dinheiro vivo, o que levanta suspeitas de branqueamento de capitais. Bolsonaro é igualmente assombrado pelo “orçamento secreto” – bilhões de reais destinados à compra de apoio político dos parlamentares – para além de um escândalo de subornos no Ministério da Educação, com o dinheiro a ser escondido no pneu de um camião.

A gestão da pandemia da Covid-19 também prejudicou a imagem do presidente, naquele que foi um dos países mais castigados pelo vírus. Bolsonaro é acusado de negligência por, alegadamente, não ter comprado as vacinas em momento adequado, mesmo tendo tido oportunidade para tal. As cenas em que simula dificuldades de respiração, zombando dos milhares de infectados pelo vírus, renderam-lhe duras críticas e aumento do nível de rejeição.

 

Media e empresários medem forças

A força dos dois candidatos com maiores índices de rejeição provém, para além do carisma, dos apoios de que beneficiam. “Bolsonaro tem apoio de empresários”, faz notar o professor Flúvio Guedes, acrescentando que Lula, por sua vez, conta com apoio da Imprensa.

“A [tv] Globo é o mais potente meio de comunicação aberto, e Bolsonaro cortou sua verba. Então ela quer acabar com ele e eleger Lula, pois fizeram acordos com ele, que tem uma parte da população pobre a seu favor”, aponta.

Bolsonaro conta igualmente com o apoio dos evangélicos, que ficou evidenciado quando viajou ao Reino Unido, para o funeral da rainha Isabel II, na companhia do pastor Silas Malafaia. “Aqui no Brasil, pastor também é empresário, rouba dinheiro dos pobres”, diz a nossa fonte.

Actual detentor do poder executivo, Bolsonaro também usa dos meios do Estado para fazer a sua campanha. O exemplo mais flagrante terá sido a celebração do 7 de Setembro – dia do bicentenário da independência do Brasil – um acto de Estado que se converteu num comício popular, em Brasília e em Rio de Janeiro, na praia da Copacabana.

Devido ao seu carácter eleitoralista, o evento foi boicotado pelos chefes dos restantes poderes – legislativo e judiciário. Acto contínuo, Bolsonaro aproveitou a viagem de Estado que efectuou ao Reino Unido para realizar actos propagandísticos com seus apoiantes em pleno edifício da embaixada do Brasil.

Lula, por sua vez, contrapõe com apoios de peso. Fernando Haddad e Marina Silva foram ambos candidatos à presidência no passado e estão ao lado do socialista. Recentemente, o antigo presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, mesmo que de forma implícita, declarou seu apoio à candidatura de Lula, que tem como vice um antigo rival, Geraldo Alckmin.

“Peço aos eleitores para que votem, no dia 2 de Outubro, em quem tem compromisso com o combate à pobreza e à desigualdade, defende direitos iguais para todos independentemente da raça e orientação sexual, e orgulha-se da diversidade cultural da nação brasileira”, exortou Fernando Henrique Cardoso.

 

Violência pós-eleitoral

À medida que se aproxima a data da primeira volta, a tensão sobe e a rivalidade entre lulistas e bolsonaristas escalda. Há já vários registos de violência de parte a parte, mas são mais as vezes em que os protagonistas de actos de agressão são os apoiantes do actual timoneiro da nação brasileira.

Jair Bolsonaro é tido como catalisador de ódio, através de discursos que colocam em causa o Tribunal Superior Eleitoral, bem como a credibilidade das urnas electrónicas. “Ele sabe de algo. Como os media estão a favor de Lula, ele tem medo de perder, pois ganhou assim, com urnas duvidosas”, assinala Flúvio Guedes.

Bolsonaro, que defende armamento da população, já disse esperar uma vitória com 60% dos votos e que, caso não alcance esse objectivo, “algo de anormal” terá acontecido no Tribunal Superior Eleitoral.

Esta e outras atitudes fazem antever um cenário de “pequena guerra civil’, diz Flúvio Guedes, vincando que “o povo não entende de política, mas defende seu candidato”.

Na noite de 24 de Setembro, vários cidadãos brasileiros receberam uma mensagem (SMS) com teor golpista em caso de derrota da candidatura de Bolsonaro: “Vai dar Bolsonaro no primeiro turno! Senão, vamos à rua para protestar! Vamos invadir o congresso, o STF! Presidente Bolsonaro conta com todos nós”, lê-se na mensagem enviada por um número que, segundo relatos, é usado pelo governo.

 

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