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Acesso ao BI – será mesmo complicado garanti-lo aos excluídos?

Texto: Kátia Patricília Agostinho, Economista*

Segundo o Relatório Findex 2021, 40% dos moçambicanos não têm um Bilhete de Identidade (BI). A identificação das pessoas é importante no processo governativo que recentemente se tornou ainda mais evidente devido à situação de instabilidade que se vive na província de Cabo Delgado, após o pedido do Presidente da República para que as populações intensifiquem o processo de identificação das pessoas com quem elas lidam no dia-a-dia. Ora, como poderão as pessoas fazê-lo se nem elas próprias têm um documento de identificação? Ao mesmo tempo, a falta de um documento de identificação representa um dos principais obstáculos para as pessoas acederem aos serviços básicos como educação, saúde, acesso aos recursos produtivos, assim como para formalizar um negócio ou abrir uma conta bancária e efectuar transacções, entre outras actividades.

A maioria destas pessoas encontra-se nas zonas rurais, existem até distritos sem nenhuma infra-estrutura pública onde se possa requerer um documento de identificação. Para estas pessoas, o processo de tratar um BI é maçador. São vários km de caminhada e vários dias, o que implica um custo de oportunidade bastante elevado, considerando as actividades deixadas por fazer, significando, na maioria das vezes, não ter o que comer.

No momento, o Governo envida esforços para a modernização do sistema nacional de identificação, através de diferentes iniciativas institucionais, como a transição da recolha de dados demográficos (nome, filiação, endereço, data e local de nascimento) para dados biométricos, como o registo do rosto e impressão digital, que vai ser iniciado pelas operadoras de telefonia móvel. Está em curso também o processo de digitalização de pedidos de outros documentos relacionados, como passaportes, carta de condução, etc. Tudo isto faz parte do Projecto de Aceleração Digital de Moçambique.

No entanto, estes passos, por si só, não asseguram a inclusão das pessoas já excluídas. A digitalização pode ser o factor que irá reduzir as desigualdades e os níveis de exclusão, mas também pode agudizá-las, dependendo de como as coisas são feitas. O Censo populacional de 2017 indicou que apenas 26% da população tem telemóveis e 4.4% tem um computador. Ademais, segundo o Banco Mundial (2021), apenas 32% dos moçambicanos têm acesso à internet. A maioria dos excluídos destas tecnologias está nas zonas rurais. Para além do acesso, há a questão do uso que muito depende da capacidade das pessoas de pagar por estes serviços. Adicionalmente, sem um BI, as pessoas não podem ter acesso a um SIM card, constituindo mais um entrave à inclusão.

Qual é a estratégia do país para assegurar que todos os moçambicanos tenham acesso ao documento de identificação, que é um direito humano básico e fundamental, como estabelecido na Constituição da República? Conseguimos mobilizar todos os recursos de que precisamos para realizar um censo populacional, para o recenseamento eleitoral e (ainda) garantir que todos sejam incluídos, mas ainda não encontramos uma solução para permitir que as pessoas, do Rovuma ao Maputo, tenham este documento básico e importante.

É importante que os esforços a serem envidados pelo Governo façam parte de um sistema integrado que facilite a identificação dos cidadãos e que também seja acessível a todas as classes sociais e zonas geográficas. Um exemplo de um sistema integrado é o Número Único de Identificação Bancária (NUIB), criado pelo Banco de Moçambique para o sector financeiro. O NUIB não altera. No caso dos Bis, mesmo sendo biométricos, se tivermos casos em que os números do BI da mesma pessoa são alterados a cada renovação é como se estivéssemos a dar um passo à frente e dois atrás.

A nível global, alguns governos são exemplo de como criaram sistemas integrados de identificação dos cidadãos. Os Estados Unidos confiam no número de Previdência Social para obter o perfil completo de um cidadão e, através deste, os mesmos podem ter acesso a uma variedade de serviços sem muitos constrangimentos. Já a Índia criou o maior sistema de identificação biométrica do mundo – o famoso Aadhaar, que, em Dezembro, atingiu o nível incrível de registos de 99% de cidadãos indianos. O Aadhar é fácil e conveniente para os mais desfavorecidos. Permite que qualquer instituição verifique a identidade de qualquer cidadão registado e que este aceda a todos os serviços sociais e financeiros.

Mas não podemos assumir que estas soluções sejam a resposta para Moçambique. Temos de aprender com elas e criar uma solução adaptada ao nosso contexto, cultura e realidade.

*Kátia Patricília Agostinho assina a coluna “Economicamente Falando”, do semanário Dossier Económico

 

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