A vila de Ressano Garcia continua na ordem do dia na imprensa nacional e nas redes sociais, por razões negativas. No último fim-de-semana, quatro cidadãos perderam a vida na sequência de disparos da polícia, complicando ainda mais a já tensa relação entre os homens da Lei e Ordem e a população.
Texto: Amad Canda
Ressano Garcia encontra-se “calma” e com o posto fronteiriço a funcionar normalmente, depois de algumas interrupções ao longo dos últimos dias. Mas essa calma é apenas relativa à ausência de agitação na região, porque a população encontra-se profundamente revoltada depois de ver quatro jovens serem mortos por elementos da Unidade de Intervenção Rápida (UIR).
Tudo começou com o baleamento mortal do blogueiro Mano Shottas, na sexta-feira, 13 de Dezembro. Shottas estava a fazer um “directo” na sua página do Facebook, mostrando como a polícia estava a lidar com as manifestações. A sexta-feira 13 foi mesmo um dia de azar para o jovem, que, num acto covarde, acabaria por ser baleado nas costas.
“Levei um tiro, estou a morrer”, disse Shottas naquela que seria a última “live” da sua vida.
Ninguém ficou indiferente à morte do jovem, daí que a população se mobilizou no dia seguinte para o enterro. “Era muita gente, eu nunca vi um enterro assim aqui em Ressano”, conta ao Dossiers & Factos um jovem que participou nas exéquias, num dia em que a UIR, que assassinara Shottas, acabaria por ir atrás daqueles que o homenageavam.
Ainda nem estava lançada a areia sobre o caixão quando as orações foram subitamente interrompidas pelo som de tiros. Era a polícia, claro está, a lançar gás lacrimogéneo e a disparar balas reais em pleno lugar sagrado.
“No cemitério morreram mais duas pessoas, mas depois tive informação de que uma terceira pessoa, que havia sido ferida, também perdeu a vida”, conta a nossa fonte, acrescentando que só não morreu mais gente porque a maioria fugiu em direcção ao campo. É que, acrescenta, quem tentasse fugir para a estrada era recebido com balas.
Se Shottas morreu por fazer cobertura, os restantes três foram mortos porque a população colocou dois camiões a bloquear a estrada no momento do enterro, uma medida que visava apenas manter alguma ordem no local, uma vez que o cemitério fica praticamente na berma da estrada.
Por estes dias, em Ressano, só há lamentações de uma população que apenas quer entender “por que a polícia anda a matar pessoas”.
A relação entre a polícia e a comunidade deteriora-se a olhos vistos, mas os residentes garantem que têm conversado com o comandante da esquadra local, bem como com o comandante da Polícia de Fronteira, que os têm sensibilizado a manifestar-se pacificamente e apenas nos dias devidamente marcados pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane.
A população, por outro lado, garante: “Nós não somos marginais”, explicando que mesmo a destruição de bens públicos foi motivada pela raiva diante de mais um assassinato perpetrado por uma polícia que, dizem, está infiltrada por ruandeses.
Curiosamente, Ressano conviveu pacificamente com os militares que haviam sido destacados para o local depois dos tumultos de 05 de Novembro. “Nós estávamos bem com os militares. Quando vieram para cá, fizemos uma contribuição, juntámos 16 mil meticais e comprámos comida para eles”, lembra a nossa fonte.
O problema, aparentemente, é que há quem não tenha gostado da actuação dos militares. “Dizem que foram tirados porque não fazem o seu trabalho. O trabalho é andar a disparar”, conclui.
- Extraído da edição 592 do Dossiers & Factos