Estão trocados os papéis. Depois de, nas eleições autárquicas de 2023, Venâncio Mondlane ter embaraçado a Frelimo na cidade de Maputo, desta vez é a Renamo, partido no qual militava até aos primeiros meses deste ano, que está à rasca por “culpa” da mesma figura. 30 Anos depois, a Renamo pode deixar de ser o segundo partido mais votado de Moçambique. Curiosamente, e ao contrário do que tem sido habitual, desta vez a “perdiz” pouco fala em fraude.
Texto: Dossiers & Factos
Os resultados eleitorais, que vão sendo anunciados a conta-gotas pelas Comissões Distritais e Provinciais de Eleições, estão a causar choque na sociedade moçambicana, ao projectarem uma possível queda da Renamo para a terceira maior força política, em troca com o Podemos. A confirmar-se, estar-se-á diante de uma alteração profunda do xadrez político moçambicano, que sempre foi dominado pelo binómio Frelimo-Renamo.
As transformações actualmente em curso devem- -se, em grande medida, ao capital político de Venâncio Mondlane, visto como o principal responsável pelos expressivos números que o Podemos tem estado a obter. A título de exemplo, e de acordo com os resultados apresentados no último domingo pela respectiva Comissão Provincial de Eleições, Mondlane e o Podemos ocupam o segundo posto em Cabo Delgado, com 22,64% e 14,58%, respectivamente; apenas atrás de Daniel Chapo (65,81%) e do seu partido, a Frelimo (66,44%). A tendência mantém-se na cidade de Maputo, onde Mondlane e o Podemos obtiveram 33,84% e 20,53%, respectivamente, novamente atrás de Chapo, com 53,68% e da Frelimo com 57,78%.
Em ambos os casos, a Renamo e o seu candidato Ossufo Momade surgem na terceira posição e, a avaliar pelos números exibidos pelos órgãos de comunicação social em vários distritos, a tendência poderá ser a mesma nas restantes províncias do país.
Entretanto, mesmo que o afastamento da Renamo da segunda posição não se confirme, o simples facto de estar a sofrer danos de um partido extraparlamentar e que até estas eleições nada tinha conquistado é visto como uma grande humilhação até no seio do “ninho da perdiz”, que, inevitavelmente, terá os piores resultados desde a instituição da democracia multipartidária em Moçambique.
Venâncio Mondlane, um ex-membro da Renamo hostilizado por Ossufo Momade e sua entourage, consegue, assim, um feito que nenhuma formação política havia conseguido ao longo das três décadas de democracia no país – furar o bipartidarismo composto por Frelimo e Renamo. O único que esteve efectivamente perto disso foi o MDM de Daviz Simango, que, em 2009, conquistou oito assentos na Assembleia da República. Ressalve-se, no entanto, que já nessa altura o “galo” comandava o Conselho Municipal da cidade da Beira.
Daniel Chapo, estratégia e trajectória limpa
Ciente das dificuldades que teria, sobretudo depois de Venâncio Mondlane ter demonstrado, nas eleições autárquicas de 2023, ser um político com capacidade aglutinadora, o partido Frelimo trabalhou imenso para convencer o eleitorado de que Daniel Chapo era a figura ideal para tomar as rédeas do país depois de Filipe Jacinto Nyusi. O partido no poder apostou na trajectória imaculada de Daniel Chapo (não está associado a escândalos) para derrotar os seus adversários, havendo internamente vozes que acreditam que, com uma outra figura no lugar do ex-governador de Inhambane, eventualmente a situação seria dramática.
Os resultados definitivos das eleições gerais de 09 de Outubro serão conhecidos no dia 25 de Outubro, segundo o calendário eleitoral, mas parece ser claro que Chapo será mesmo proclamado vencedor, até porque está a liderar a contagem em praticamente todas as províncias do país e na África do Sul, onde reside a maior comunidade moçambicana na diáspora.
Lutero Simango sem brilho
Depois destas eleições, pouco se pode dizer de Lutero Simango, o candidato presidencial do MDM. Para já, confirma-se a sua fragilidade política em vários domínios – pouca dinâmica, fraca capacidade discursiva e desprovido de carisma. É a prova de que não basta o apelido – Lutero “herdou” a liderança do partido após a morte do seu antigo presidente e co-fundador, o seu irmão Daviz Simango.
À semelhança do que acontece na Renamo, também no MDM começa a ficar claro que há necessidade de ceder o cargo de presidente a figuras capazes de inovar para poderem colocar o “galo” a lutar em pé de igualdade com os restantes adversários políticos num cenário em que as ligações afectivas aos partidos políticos parecem ser cada vez menos determinantes.
Texto extraído na edição 583 do Jornal Dossiers & Factos