Texto: Kátia Patricília Agostinho, Economista*
Poder executar tarefas a partir de um dispositivo electrónico, dentro de um sistema que integra todo o processo de uma cadeia, não é apenas conveniente, mas também permite reduzir custos operacionais a que as empresas, instituições e governos em todos os sectores de actividade económica têm incorrido. Actualmente existe muito interesse a nível global de embarcar na tendência de transformação digital, com as tecnologias de comunicação e informação no centro deste processo.
A pandemia da COVID-19 acelerou esse processo a nível global e permitiu a identificação de muitas oportunidades, permitindo até provar algumas abordagens de trabalho que seriam muito mais complicadas de adoptar em contexto normal, como, por exemplo, o trabalho remoto, que foi massivamente adoptado por muitas organizações, sendo que algumas mantiveram isso como o novo normal.
Moçambique não pode ficar de fora desta revolução tecnológica. O país tem um Projecto de Governação e Economia Digital, lançado em Junho de 2021, tendo a sua implementação iniciado em Janeiro de 2022, em que reconhece o grande potencial que temos e algumas limitações na sua implementação, como, por exemplo a falta de alguns elementos fundamentais para a sua implementação na íntegra e a inexistência de uma monitoria e coordenação centralizada entre os ministérios, departamentos e agências. No caso dos serviços disponíveis, a digitalização da cadeia não é completa, como é o caso do e-bau (Sistema Electrónico de Licenciamento de empresas). Além desse, estão operacionais os serviços de identificação e, mais recentemente, foi lançado o serviço digital de emissão de vistos, que se espera que possa impulsionar o investimento no país.
Para garantirmos o sucesso desta iniciativa, há uma necessidade de tomar em consideração a realidade actual, especialmente olhando para as zonas mais escondidas do país, as zonas rurais e as populações vulneráveis, como jovens, mulheres, pessoas portadoras de deficiência, entre outros grupos.
Por exemplo, no sector da educação, o projecto menciona o apoio ao planeamento de turmas remotas e actualização de competências. Mas não devíamos focar apenas neste aspecto. Como iremos garantir que todas as partes interessadas – professores, alunos e funcionários – estão incluídas e capacitadas para participar do processo? Garantindo a disponibilização dos recursos necessários, como dispositivos e conectividade, ou pelo menos estabelecendo um modelo que permita que todos tenham acesso. Como iremos garantir que os mais vulneráveis têm efectivamente acesso e fazem uso destas plataformas? O mesmo questionamento é válido para o sector da saúde. No comércio, podíamos enfatizar naquele sector que representa a maioria das MPMEs, o sector informal, que tem o potencial de capitalizar o Estado.
No sector financeiro, há avanços notáveis a nível do ambiente regulador, como, por exemplo, a criação do Sandbox regulatório pelo Banco de Moçambique, que permitiu o crescimento da inovação no sector financeiro e o surgimento do sector das Fintechs. Mas existem oportunidades não capitalizadas, como o facto de termos o menor custo de Internet móvel da África Subsaariana (1,97 dólares por gigabyte) e um bom nível de acesso aos telemóveis, mas os nossos países apresentam um dos maiores níveis de exclusão a serviços financeiros na mesma região. Espera-se que, com a interoperabilidade de dinheiro móvel e de infra-estruturas promovidas recentemente, combinadas com outras políticas inclusivas, este cenário possa melhorar.
Nos serviços públicos, é importante priorizar também parte deste processo que permita melhorar a produtividade do sector privado, como viabilizar o serviço e-bau na totalidade e disseminar preferencialmente o pagamento digital. A transformação digital da economia devia também criar impacto a nível da redução dos custos para o sector privado no que diz respeito aos serviços públicos. Por exemplo, é sabido que o custo do processo de registo de empresas é elevado, principalmente quando falamos de micro e pequenas empresas. Será isso uma realidade?
Não menos importante, no processo de promoção dos sistemas digitais, devemos ter atenção na educação dos utilizadores não só para garantir o sucesso destas plataformas, mas também criar um mecanismo de protecção dos mesmos, de forma a garantir que os seus direitos estão salvaguardados, principalmente pela componente de dados envolvidos.
*Kátia Patricília Agostinho assina a coluna “Economicamente Falando”, do semanário Dossier Económico