A ordem é uma condição sine qua non para que haja progresso. É assim em qualquer parte do mundo e em todo o tipo de actividade. Não por acaso, os clubes com os melhores resultados no desporto são aqueles que garantem a estabilidade da direcção, mas, sobretudo, da equipa técnica. Os que optam pelo caminho inverso vivem uma constante de desaires com fugazes momentos de sucesso, muitas vezes não alicerçados no trabalho, mas em factores imponderáveis.
Não é do desporto que este artigo se debruça, mas sim, do País. Moçambique vive momentos de grande tensão desde a realização das VI Eleições Autárquicas, no passado dia 11 de Outubro. A tensão tende a escalar à medida que os órgãos eleitorais proclamam resultados que, para a oposição, não encontram correspondência com a realidade.
Como sabemos, a Renamo, que oficialmente não venceu qualquer dos 65 municípios, reivindica vitórias em alguns, incluindo nas cidades de Maputo, Matola, Quelimane, Nampula e Nacala Porto. Confiante na sua contagem paralela, o partido pôs-se desde a primeira hora a fazer as chamadas “marchas da vitória” que rapidamente transformaram-se em “marchas de repúdio” aos resultados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições.
Se nos primeiros dias estes eventos decorreram sem qualquer incidente, o que até levou o cabeça-de-lista da Renamo na cidade de Maputo, Venâncio Mondlane, a elogiar a postura da Polícia da República de Moçambique (PRM), depois da aprovação dos resultados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) a coisa mudou de figura.
As marchas realizadas no último sábado, 27 de Outubro, foram marcadas por graves episódios de violência, havendo registo de mortos e feridos. Foi um dia de autêntico terror, em que a polícia deixou de merecer os elogios que recebera há apenas poucos dias. Efectivamente, a actuação dos homens da Lei e Ordem deixou a desejar, na medida em que desrespeitou a Lei e, acima de tudo, o direito à vida.
Com recurso a balas verdadeiras, a polícia fartou-se de alvejar manifestantes indefesos. Em Nampula, aliás, há indicação de que até uma criança de três anos, que certamente apenas teve o infortúnio de estar no lugar errado na hora errada, foi alvejada mortalmente. Ora, isto é inaceitável e injustificável. Reconhece-se, até porque várias imagens o confirmam, que determinados cidadãos aproveitaram-se do movimento desusado provocado pelas manifestações para promoverem actos de depredação, sobretudo de bens privados. Ainda assim, não cabe na cabeça de ninguém minimamente consciente que as forças policiais precisem de uma AKM-47, que é arma de guerra, para neutralizar tais indivíduos.
Infelizmente, esta é uma situação recorrente no País. O regime do dia é alérgico a manifestações de desagrado, mesmo que estas sejam tão perigosas quanto uma borboleta. Para dissuadi-las não hesita em mobilizar material de guerra e aplicar a força bruta em toda a sua extensão, o que mostra o quão despreza a vida dos cidadãos a quem jurou servir.
O problema é que esta postura é contraproducente para o próprio regime e, em última análise, para o País. É que, cada vez que se porta desta forma, perde um pedaço da sua já pouca legitimidade e alimenta ressentimentos que, por sua vez, podem conduzir à violência generalizada. Isso é particularmente preocupante numa altura em que todo o mundo parece agir a quente.
Não nos queremos posicionar em relação à alegada vitória da Renamo. O que é facto, porém, é que, pela primeira vez, a “perdiz” ganhou a batalha da comunicação. Sua narrativa é amplamente aceite pela sociedade, sobretudo pelos jovens. Este é o sentimento que transborda nos cafés, bares, igrejas, universidades, sendo de alguma forma confirmado pela impressionante adesão às suas marchas. Há uns anos, era difícil imaginar que este partido pudesse arrastar tamanha moldura humana nas cidades do sul, que sempre foram bastiões da Frelimo.
Estes jovens, pelo que se vê, obedecem cegamente ao chamamento dos seus líderes, nomeadamente Venâncio Mondlane, António Muchanga, Manuel de Araújo, entre outros. Ora, é aqui onde mora a grande preocupação. É que, eventualmente tomados pelo sentimento de indignação, não raras vezes alguns destes líderes perdem discernimento e proferem discursos que apelam ao ódio e incitam à violência.
Bastas vezes ouvimos Venâncio Mondlane garantir que, se provocados pela polícia, “vamos esmagar”, ou que “não nos vamos responsabilizar pela fúria popular”. Exemplos similares abundam em todos os territórios onde a Renamo reclama triunfos, pelo que estamos numa situação absolutamente perigosa.
Estes discursos inflamam emoções e podem levar os jovens a estarem dispostos a “dar tudo”, incluindo desafiar a polícia – já houve confrontações no sábado – o que inevitavelmente provocará um banho de sangue.
Cientes de que ninguém deseja tal desfecho, sentimo-nos na responsabilidade de exortar os políticos a moderarem os seus discursos. Concomitantemente, apelamos a contenção por parte dos agentes da PRM. Só assim se evitará uma situação de caos que, certamente, não beneficiará a ninguém. Afinal, não há progresso sem ordem.