A recente alteração legislativa que retira dos tribunais judiciais de distrito o poder de mandar recontar votos nas mesas onde se verifiquem irregularidades é um ataque frontal à justiça eleitoral e ao Estado de Direito em Moçambique. Este retrocesso ocorre num contexto onde, justamente há um ano, esses mesmos tribunais desempenharam um papel crucial ao embaraçar os planos de fraude eleitoral do partido Frelimo e da Comissão Nacional de Eleições (CNE) através de julgamentos imparciais. A nova legislação representa, portanto, uma clara tentativa de esvaziar a imparcialidade do processo eleitoral, transferindo todo o poder de decisão para órgãos cuja composição é, na sua essência, partidária.
Ao analisar o quadro jurídico que regula as eleições, fica evidente que a concentração de poder decisório nas mãos da CNE e do Conselho Constitucional (CC) cria um ambiente propício para manipulações e fraudes. Esses órgãos, historicamente conhecidos por decisões que muitas vezes não se baseiam no direito, na justiça ou no bom senso, passam a ser os únicos a terem um papel relevante na eventual ocorrência de fraudes eleitorais. Isso é profundamente preocupante, pois retira qualquer possibilidade de fiscalização independente e imparcial, essencial em qualquer democracia que se preze.
A exclusão dos tribunais judiciais de distrito do processo eleitoral é um golpe duro na transparência e na credibilidade das eleições. Com esta alteração, o sistema eleitoral moçambicano transforma-se, ainda mais, num jogo de cartas marcadas, onde a vitória do partido no poder parece ser a única possibilidade. A democracia, que deveria ser um campo onde diferentes forças políticas competem em igualdade de condições, transforma-se num terreno inclinado a favor do status quo, comprometendo seriamente a legitimidade dos resultados eleitorais.
Esta situação é particularmente nociva para a democracia em Moçambique. Sem um sistema eleitoral transparente e justo, o conceito de soberania popular é gravemente afectado. As eleições, em vez de serem uma expressão da vontade do povo, passam a ser um mecanismo de manutenção de poder por parte de uma elite política que não tem interesse em ouvir as vozes dissonantes. Esse cenário é perigoso e pode levar a descredibilização total do processo eleitoral, gerando apatia entre os eleitores e enfraquecendo ainda mais as instituições democráticas do País.
O papel dos tribunais como guardiões da justiça eleitoral não pode ser subestimado. São eles que garantem que as regras do jogo sejam respeitadas, que os direitos dos eleitores sejam protegidos e que os resultados reflictam a verdadeira vontade popular. Ao retirarem dos tribunais o poder de intervir em casos de irregularidades eleitorais, o legislador moçambicano coloca em risco a própria essência da democracia, que é a livre escolha dos governantes pelo povo.
O argumento de que a CNE e o CC são os órgãos competentes para tratar de questões eleitorais não se sustenta quando consideramos a sua composição partidária. A presença de membros indicados pelos partidos políticos nestes órgãos compromete a sua imparcialidade, tornando-os, na prática, extensões dos interesses daqueles que os nomearam. Esta realidade é ainda mais preocupante quando se verifica que decisões políticas têm prevalecido sobre as jurídicas, minando a confiança dos cidadãos no processo eleitoral.
A democracia moçambicana, já fragilizada por inúmeros desafios, enfrenta agora mais um obstáculo à sua consolidação. A centralização do poder decisório em órgãos partidários é um atentado à pluralidade e à justiça, pilares fundamentais de qualquer sistema democrático. Ao excluir os tribunais judiciais de distrito do processo eleitoral, o legislador moçambicano está a enviar uma mensagem clara de que a justiça eleitoral pode ser manipulada ao sabor dos interesses políticos.
É essencial que os moçambicanos, e a comunidade internacional, reconheçam a gravidade desta alteração legislativa. A luta por um sistema eleitoral justo e transparente deve ser contínua, e a sociedade civil precisa estar vigilante e activa na defesa dos seus direitos. A democracia em Moçambique não pode ser refém de interesses partidários; precisa ser uma verdadeira expressão da vontade popular, onde todos os votos contam e onde todos os cidadãos têm a garantia de que a sua voz será ouvida e respeitada.
A consolidação do Estado de Direito em Moçambique depende de um sistema eleitoral que seja justo, transparente e imparcial. A recente alteração legislativa, ao enfraquecer a capacidade dos tribunais de garantir essa justiça, representa um sério retrocesso para a democracia no País. A sociedade moçambicana deve rejeitar qualquer tentativa de manipulação eleitoral e lutar pela construção de um sistema onde a vontade popular prevaleça acima de qualquer interesse partidário.