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Guerra na Ucrânia: Um “manto” que esconde a impopularidade dos líderes ocidentais

Há sensivelmente um mês, a tensão entre a Rússia e a Ucrânia evoluía para um conflito militar e os líderes dos principais países do ocidente abandonavam a política interna para centrarem as atenções numa guerra da qual são provocadores e que ajuda a ofuscar sua impopularidade. Em claro desespero, Joe Biden, Boris Johnson, Emmanuel Macron e Olaf Scholz vêem na guerra dos vizinhos do leste europeu a plataforma ideal para (re)conquistarem o povo.

Texto: Amad Canda

O acordo de fornecimento de gás assinado na semana passada entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União Europeia (UE), afim de reduzir a dependência do bloco dos 27 países da Rússia, deixou ainda mais cristalino que é, sobretudo, económica a razão para Biden ter instigado o conflito russo-ucraniano. Aos lucros resultantes da venda de armamento à Ucrânia e a outros Estados da Europa, os americanos adicionarão os provenientes das exportações de gás para a UE.

Para lá de encher os cofres, a administração Biden tem na “operação militar especial” de Vladimir Putin uma oportuna “cortina de fumaça” para ocultar um início de mandato que está longe de corresponder às expectativas, assim como um trampolim para a projecção da sua imagem.

Eleito 46º presidente dos EUA em finais de 2020, o ex-vice de Barack Obama tem um começo difícil, que se assemelha aos últimos meses do mandato do seu antecessor na Casa Branca, Donald Trump. A inflação – estimada em 7% – ofusca os sucessos a nível da vacinação contra a Covid-19, naquele que é um dos países mais arrasados pela pandemia viral.

Numa nação obstinada pelo capitalismo, o desempenho económico dita muito o nível de aceitação de um líder, mas o maior pecado de Joe Biden, aos olhos dos seus compatriotas, continua a ser a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão, 20 anos depois. Também criticada pela forma “desordenada” como geriu a saída de civis americanos daquele país, a actual administração viu o povo e importantes personalidades políticas “caírem-lhe em cima” por ter permitido que o poder retornasse aos Talibãs.

 

Reeleição pode estar em causa

Joe Biden, 79 anos, já anunciou a intenção de se recandidatar em 2024, cenário admitido também por Donal Trump, embora não de forma tão afirmativa. O certo é que, se o duelo fosse reeditado no momento actual, o republicano levava a melhor. Segundo um estudo da Harvard CAPS/Harris, publicado em Fevereiro deste ano, 46% dos eleitores dizem que votariam em Donald Trump e só 40% depositariam a confiança em no actual presidente.

Estas evidências de queda de popularidade, alerta o Veja Brasil, têm criado dúvidas mesmo no seio dos democratas, havendo já quem prefira avançar para as próximas eleições com a ex-primeira-dama Hillary Clinton, candidata derrotada em 2016.

 

Os amargos banquetes de Johnson

Boris Johnson é outro dos líderes ocidentais que estará agradecido à guerra na Ucrânia, pois a mesma determinou uma nova agenda aos órgãos de informação locais e, por consequência, ao público. O primeiro-ministro do Reino Unido estava nos impressionantes 73% de reprovação antes do conflito russo-ucraniano, tudo por violações sistemáticas do protocolo sanitário que havia sido aprovado para a contenção da Covid-19.

Em causa está aquilo que ficou conhecido como partygates, em referência às festas – fala-se de 17, pelo menos, – que Johnson organizou desde Maio de 2020, em pleno lockdown. Quando os sucessivos escândalos foram despoletados, o dirigente, que é conhecido pela sua cabeleira peculiar, precipitou-se a desmenti-los, mas, pouco tempo depois, admitiu ter havido, no Downing Street – a residência oficial –, “encontros de trabalho”.

O próximo estágio foi render-se às evidências – foi, inclusive, divulgado um convite que pedia para que “todos levassem suas bebidas” – e assacar responsabilidades a seus subordinados. “Não fui avisado que as reuniões eram contra as regras”, justificou-se o governante, pouco depois de denunciada uma fanfarra que terá dado na véspera do funeral do príncipe Philip, já em Abril de 2021.

“Boris mentiu ao Parlamento”, reagiu prontamente o seu ex-conselheiro, Dominic Cummings, piorando ainda mais a situação do primeiro-ministro.

Afundado nas próprias mentiras, Johnson tinha 60% dos eleitores a desejarem a sua renúncia, à semelhança da oposição e de alguns membros do partido Conservador, sendo que alguns deles – que já andavam insatisfeitos com a gestão da pandemia e a condução do reino no período pós Brexit – já terão solicitado, junto do Comité Executivo Conservador, a votação de uma moção de não confiança.

Neste momento, decorre na Grã-Bretanha uma investigação às badaladas festas do sucessor de Theresa May, sendo certo que, independentemente do resultado, já consolidou junto dos cidadãos a imagem de um político hipócrita, despido de responsabilidade e seriedade.

 

Macron: um íman de ovos

O presidente da França, Emmanuel Macron, está também na linha de Biden e Johnson, com a agravante de ter as eleições presidenciais à porta (Abril do ano em curso). Macron confirmou a sua recandidatura no início do mês em curso, para “construir a França com os nossos filhos”.

Há, no entanto, sinais de que “os filhos” podem não querer construir o futuro com o actual presidente. O facto é que Macron, do partido “En Marche”, está a despencar em termos de popularidade, com 59% dos franceses entrevistados no âmbito de uma pesquisa citada pela UOL Notícias a revelarem insatisfação com as acções do Chefe de Estado.

É verdade que ainda tem um nível de aceitação (38%) superior à dos seus dois últimos antecessores, nomeadamente François Hollande (22%) e Nicolas Sarkozy (36%), mas provavelmente nenhum dos anteriores inquilinos do palácio do Eliseu terá acumulado tantas humilhações públicas como está a suceder com Macron.

A última delas teve lugar a 27 de Setembro de 2021, quando um estudante de 19 anos arremessou um ovo contra o mais alto funcionário do Estado francês, em plena Feira Internacional de Catering, na cidade de Lyon. O timoneiro da segunda maior economia da Zona Euro parece ser um verdadeiro íman de ovos, isto porque, em 2017, quando ainda era apenas candidato às presidenciais, foi alvo de um ataque similar. Curiosamente, o primeiro incidente também decorreu numa feira.

Em Junho de 2021, o presidente viu um homem esbofetear-lhe o rosto publicamente. O autor do crime foi julgado e condenado à quatro meses de prisão. Cumpriu a pena e, à data da sua libertação, disse que não estava arrependido.

A impopularidade de Macron é mais clara em números. Sondagens recentes indicam que o actual presidente, que venceu as eleições de 2017 com 66.06% dos votos, deverá obter 28% no escrutínio de 10 de Abril, estando, por isso, em perspectiva uma segunda volta com Marine Le Pen para a apuração do vencedor. A líder da extrema-direita deverá reunir 18,5% dos votos.

 

Scholz na sombra de Merkel

Entretanto, o país mais poderoso da Europa – Alemanha – é, desde Dezembro último, liderado por uma nova figura. Olaf Scholz assumiu o cargo de chanceler (primeiro-ministro) e um dos seus “problemas” será “fazer esquecer” o longo reinado de Angela Merkel, que saiu do governo “pela porta da frente”.

Trata-se de uma missão quase impossível para o ex-autarca de Hamburgo, descrito pelos meios de comunicação germânicos como a ‘encarnação de um tédio político”.

A crise provocada pela pandemia da Covid-19 é outro grande obstáculo de Scholz nestes primeiros meses na liderança do executivo alemão e no processo de busca por maior aceitação popular.

Assim que Putin lançou a “operação militar especial” em solo ucraniano, o novo chanceler decretou a suspensão do projecto Nord Stream 2, um gasoduto que liga a Rússia directamente à Alemanha. Refira-se que o projecto era alvo de críticas na UE e a sua suspensão ajuda Scholz a colher simpatias no bloco, não se sabendo se o impacto é o mesmo dentro de portas. O certo é que a guerra na Ucrânia é uma oportunidade para o novo líder se fazer notar.

 

Uma incubadora de problemas domésticos

O Ocidente continua empenhado em impor sanções cada vez mais duras a Moscovo, e elas não são só económicas, são também de âmbito desportivo e artístico, e se consubstanciam na exclusão de desportistas/instituições desportivas e artistas russos das competições internacionais.

Curiosamente, os líderes mais chamuscados no plano interno são os que se tem mostrado mais vigorosos nesse aspecto, com Biden, Johnson e Macron à cabeça. Esta postura, associada ao incentivo às marchas em apoio à Ucrânia, é um truque perfeito para fazer desaparecer os problemas internos – factores geradores de impopularidade – da agenda dos cidadãos dos respectivos países.

Não por acaso, ninguém mais se manifesta defronte à residência oficial do primeiro-ministro britânico. Ucrânia é a única causa que interessa.

 

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