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O último aceno da ‘mão de deus’

Por: Amad Canda

Quando o coração de Maradona parou, também se parou a capital argentina, antes de se transformar no coração do mundo. Após perder os bons ares, mercê da desconcertante notícia daquele 25 de Novembro, Buenos Aires recuperou o fôlego, vestiu-se de luto e abriu espaço para que o corpo de D10S fosse velado, não obstante a certeza – esta não velada –  dá imortalidade do mito.

Não o vi jogar, mas conheço-o e comungo da mesma convicção, não estivesse o seu evangelho espalhado pelo mundo. Aliás, é também nisto que assenta a sua divindade. É que, à semelhança de outros deuses, El Pibe marca todas as eras, ainda que tenha realizado os seus milagres em uma era específica. O maior dos milagres do “deus imperfeito” teve lugar no México, corria o ano de 1986 a.m.e (antes da minha era).

La dulce venganza

Alguns anos antes, Argentina sucumbira perante a Inglaterra na disputa pelo “DUAT” das Ilhas Malvinas, e a nação do tango precisava de alento, de conforto, de esperança, de sentir, enfim, a compaixão e benevolência de D10S. Mas nenhum profeta é valorizado em sua própria terra, reza o adágio. Talvez por isso, D10S terá optado por realizar os seus prodigiosos feitos em terras de Pablo Escobar.

Azteca, na cidade do México, foi o palco escolhido para que se concretizassem os desígnios de D10S. Maradona começou por impor a sua mão sobre a bola – a tal mão de Deus – abençoando assim a peregrinação do seu povo no décimo quarto maior país do planeta. Depois, El Pibe, de estatura baixa, fez-se gigante e “qualquerizou” o adversário, fintando metade da população londrina, antes de fazer o maior e mais icónico golo da história do futebol. Foi assim consignado pela FIFA.

Em noventa minutos, D10S fez mais milagres que todas as seitas religiosas juntas e vingou, por assim dizer, a derrota na contenda das Ilhas Malvinas. Mais do que isso, mostrou ao povo argentino que “de modo algum Argentina era a menor entre as nações da terra”, porque lá tinha nascido D10S, aquele que apascentaria o seu povo até à glória, a 29 de Junho de 1986, quando a selecção alviceleste triunfou ante a sempre temível Alemanha.

 

Maradonismo em Nápoles

A devoção por D10S não tem limites na Argentina, a sua terra natal, mas também em Nápoles, na Itália. De resto, o povo napolitano teve a benção de conviver diariamente com o “deus imperfeito”, o deus humano que, bastas vezes, se entranhava por entre as populações mais humildes. Afinal, a sua simplicidade nada tem que ver com o seu corpo.

Aos Gli Azzurri, Diego deu dois scudettos, uma taça UEFA, uma taça de Itália e estabeleceu-se como o nome maior de um povo que, por sua vez, converteu-se ao maradonismo. De resto, a devoção por El Pibe persiste, é uma lenda inultrapassável para os napolitanos. Não por acaso, San Paolo mudou de nome. Foi rebatizado (em espírito) como “Estádio Diego Armando Maradona”. Tivesse Nápoles os poderes político-religiosos de Roma em terras transalpinas e talvez o catolicismo sucumbisse.

 

Jamais será só futebol

Aquilo que muitos chamam  “morte de Maradona” – quando na verdade é ascensão aos céus – deixou todo o mundo lavado em lágrimas. Quem está indiferente ao desaparecimento físico de El Pibe terá, decerto, o coração mais parado do que o coração do próprio D10S após a paragem cardiorrespiratória.

O amor de D10S para com os seus filhos é enorme e infinito, tal e qual o amor dos filhos para com D10S. As impressionantes imagens do povo em vigília, há um ano, de Bueno Aires até Napóles, atestam este postulado. Nunca um fenómeno deixou rivais tão próximos uns dos outros, desde o nível institucional (direcções dos clubes) até à parte mais baixa da pirâmide – os adeptos. Enquanto “La Bombanera” e “El Monumental” recorriam à luz para prestar tributo ao mito, os aficcionados do Boca Júniores e River Plate consolavam-se pelas ruas obscuras. No Brasil, o rival de sempre da Argentina, havia murais de homenagem a Diego.

Ficou provado que El Pibe é amado por todos, até pela Inglaterra, a nação que mais razões tem para odiá-lo. O génio imperfeito mostrou que futebol é mais do que o próprio futebol, é sentimento, é paixão. Mas também mostrou, com toda a sua aura, que não morreu, como se diz por aí. D10S apenas voltou para a sua moradia celestial, porque nunca foi desta terra.

 

Texto publicado no ano passado e “repescado” por ocasião da passagem de um ano após a morte de Maradona

 

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