A Associação Moçambicana de Juízes (AMJ) é uma das que mais se queixou das supostas injustiças que constam da Tabela Salarial Única (TSU), instrumento em vigor, na Função Pública, desde Outubro deste ano. Recorde-se que a agremiação chegou a ameaçar impugnar a Lei que cria a TSU, e, ao que tudo indica, o Governo respondeu de imediato com várias cedências ‘secretas’. Um documento até então sigiloso interceptado pelo Dossiers & Factos mostra que o Executivo vai resolver grande parte das inquietações dos magistrados, ao contrário do que sucede com outros profissionais.
Texto: Serôdio Towo
Emergem sinais de paz entre os magistrados e o Governo, depois das desavenças motivadas pelas alegadas injustiças patentes na TSU. A principal razão do desanuviamento das tensões, que até princípios de Novembro pareciam estar a aumentar, é a aparente vontade de atender às exigências dos magistrados por parte do Executivo.
Dossiers & Factos sabe que, no dia 07 de Novembro, Max Tonela (ministro da Economia e Finanças), Helena Kida (ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos), Carla Louveira (vice-ministra das Economia e Finanças), em representação do governo, reuniram-se com Lúcia da Luz Ribeiro (presidente do Conselho Constitucional), Adelino Muchanga (presidente do Tribunal Supremo), Beatriz Buchile (procuradora-geral da República), Januário Guibunda (presidente substituto do Tribunal Administrativo) e ainda secretários-gerais do Tribunal Supremo, da Procuradoria-Geral da República, do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público e gestores e gestores do Tribunal Administrativo.
Deste encontro, em que chama atenção a ausência das organizações que lutam pelos direitos dos magistrados, com destaque para AMJ, que defende a agenda dos magistrados judiciais, saíram decisões que respondem a grande parte do caderno reivindicativo desta classe, a começar pela reposição dos subsídios.
Em relação a este ponto, as partes acordaram que “os quantitativos do subsídio de exclusividade e de risco dos magistrados, oficiais de justiça e assistentes de oficiais de justiça, sobre o salário anterior à TSU, deverão ser mantidos, para os que estão em exercício de funções e mantendo-se a taxa de 5% para os novos ingressos”.
Essa medida é considerada como uma tentativa de compra de consciência dos juízes, magistrados e outros elementos da Administração da Justiça que estavam em “braço-de-ferro” com o Governo, visto que não beneficia propriamente à classe, mas, sim, somente aos que estão actualmente na máquina da justiça.
Na mesma reunião, o Governo assumiu ter havido situações de redução de salário e se comprometeu a respeitar o princípio da irredutibilidade, esclarecendo que “o valor líquido da remuneração global que o funcionário recebia antes da implementação da TSU (depois dos descontos obrigatórios, designadamente imposto, previdência social, assistência médica e subsídio de funeral) não deve sofrer qualquer redução”.
Foi ainda acordado que o subsídio de renda de casa será pago aos magistrados, oficiais de justiça e assistentes de oficiais de justiça. Relativamente ao subsídio de gestão, acordou-se que as suas variações “deverão ser esclarecidas nos termos da Lei”, sendo que o Governo se compromete a “corrigir” eventuais lapsos.
O documento na posse do Dossiers & Factos também deixa claro que o subsídio de representação, que, segundo o Estatuto dos Magistrados Judiciais e da Lei Orgânica do Ministério Público, é devido aos juízes desembargadores e sub-procuradores-gerais, respectivamente deverá ser reflectido no decreto que fixa os abonos e subsídios, o que, segundo o Governo, implica a revisão do referido instrumento (Decreto nº 51/2022, de 14 de Outubro).
O carácter gratuito da assistência médica e medicamentosa dos magistrados também será mantido e a diuturnidade especial será abonada, conforme os estatutos dos magistrados (judiciais e do Ministério Público), dos oficiais de justiça e seus assistentes. No referido encontro, segundo consta do documento em alusão, o Governo se comprometeu a “reflectir” sobre a exigência de considerar cada juiz como um órgão de soberania, uma das reivindicações mais controversas da AMJ.
Resposta “desesperada” para salvar a TSU
A AMJ vem contestando a TSU desde o ano passado, tendo subido de tom este ano, à medida em que mais detalhes sobre a sua implementação eram revelados. A verdade, porém, é que o Governo nunca deu sinais de pretender acolher suas preocupações, conforme avançou Dossiers & Factos na sua 485ª edição, que foi à rua no dia 10 de Outubro.
Perante este cenário, os juízes adoptaram uma abordagem mais “agressiva”, colocando o Governo entre a espada e a parede quando ameaçou inconstitucionalizar a lei, numa Assembleia Geral Extraordinária que decorreu a 07 de Novembro.
Curiosamente, foi nesse mesmo dia que Max Tonela, Helena Kida e Carla Louveira mantiveram encontro com os titulares dos órgãos da Administração da Justiça, do qual resultou a “enxurrada” de cedências acima mencionadas. O entendimento é de que a nova postura do Executivo não é necessariamente sinal de reconhecimento da justeza das queixas dos magistrados, mas sim um “sacrifício” para evitar que a TSU, que é uma das bandeiras do actual regime, fosse declarada inconstitucional.
Silêncio de parte a parte
Coincidência ou não, o facto é que depois dos compromissos assumidos pelo Governo na reunião que realizou com os chefes dos magistrados, instalou-se um silêncio sepulcral de parte a parte. Os juízes, que se mostravam engajados em termos de comunicação, não mais falaram publicamente em impugnar a TSU mas também não se pronunciaram sobre as cedências do Governo.
Do lado do Executivo, a postura é a mesma. O silêncio impera, ficando a sensação de que o plano era gerir este dossier de forma secreta e impedir a impugnação da TSU.