A extracção e comercialização ilegal da madeira é uma das principais fontes de financiamento aos insurgentes que actuam na província de Cabo Delgado. Uma investigação da Agência de Investigação Ambiental (EAI, sigla em Jnglês), cujo relatório foi publicado semana finda, concluiu que esta actividade garante aos terroristas cerca de USD 2 milhões mensalmente, aos quais se juntam valores provenientes de outras práticas ilícitas, como o comércio ilegal de pedras preciosas.
Texto: Dossiers & Factos
Em metical, ao câmbio de 63,3 meticais, corresponde a pouco mais de 120 milhões a facturação mensal dos terroristas à custa do tráfico ilegal da madeira. Nairoto, no distrito de Montepuez, é apontado como o principal ponto de exploração de madeira por parte dos insurgentes. A investigação também faz referência ao Parque Nacional das Quirimbas, especialmente a dois dos seis distritos abrangidos por esta importante área de conservação, nomeadamente Quissanga e Ancuabe.
Os insurgentes abatem todas as espécies, desde Jambire a Umbila e Chacate. No entanto, têm uma clara preferência por pau-preto e Chanfuta. O relatório do EIA refere que o grupo inimigo, conhecido localmente como Al Shabab, às vezes, recorre a motocicletas para “transportar a madeira de um lado para o outro”, tudo na perspectiva de camuflar sua origem.
Ainda assim, o envolvimento do grupo armado nestas operações ilícitas parece claro para a EIA, até porque a organização internacional com origem no Reino Unido cita fonte “bem colocada” que deu conta de que aproximadamente 30% da madeira extraída em Cabo Delgado tem alto risco de vir de florestas ocupadas pelos insurgentes.
Entretanto, a madeira está longe de ser a única fonte de financiamento do grupo que aterroriza Cabo Delgado desde 2017. Os insurgentes, sublinha a EIA, também se dedicam à extracção e comercialização ilegal de drogas, marfim e rubis.
Um “negócio da China” liderado por “Cabeça Grande”
Empresas chinesas têm desempenhado um papel preponderante para o sucesso do projecto de financiamento dos terroristas através da madeira. É que, conforme relata o relatório que temos vindo a citar, são elas as principais compradoras da madeira ilegalmente extraída pelos terroristas.
O relatório cita a CAM, a MOFID e a Success Investment. Esta última pertence àquele que é tido como o principal exportador de madeira ilegal a partir daquela província. Chama-se Yu Guofa, mas também é conhecido como “Cabeça Grande”.
Descrito como um “bem-sucedido comerciante”, Cabeça Grande, que também tem concessões mineiras, possui, explora, de acordo com fontes do EIA, concessões florestais em Chapa, no distrito de Montepuez, e nas áreas de Mueda e Nangade. Mesmo assim, não se coíbe de comprar madeira aos insurgentes. Ele terá confessado aos investigadores do EIA que cerca de 50% da madeira que comercializa é não processada, o que é ilegal. O chinês, que alega ter “relações próximas” com o Presidente da República, Filipe Nyusi, e com o General Alberto Chipande, confirmou igualmente ter ajudado pequenas empresas chinesas de comércio de madeira a fazer o mesmo.
“De resto, a apetência pela madeira moçambicana na China não pára de crescer. Entre 2014 e 2022, Moçambique exportou mais de sete milhões de toneladas de madeira, dos quais seis milhões foram para a China. Desde Novembro de 2015, aproximadamente 80-95% da madeira que a China importou de Moçambique”, aponta o documento.
Chegadas ao gigante asiático, muitas vezes através dos portos de Ningbo, Shatian e Xangai, as espécies moçambicanas são usadas para a produção de pisos e móveis de luxo posteriormente postos à venda online ou em supermercados especializados. O relatório aponta que, no segmento mais alto do mercado, os móveis de pau-preto são vendidos por preços que excedem USD 100 mil.
“Estamos disponíveis para averiguar” – MTA
Solicitado pelo Dossiers & Factos, o Ministério da Terra e Ambiente (MTA) reagiu ao relatório do EIA, nomeadamente através do director nacional de florestas, Cláudio Afonso, e do chefe de Departamento de Fiscalização na Agência Nacional para o Controlo da Qualidade Ambiental (AQUA), Arsénio Chelengo.
Cláudio Afonso afirmou que o Governo não recebeu oficialmente o relatório, tendo tomado conhecimento do mesmo por via das redes sociais. De seguida, manifestou total disponibilidade do MTA para se inteirar de mais detalhes que nortearam a investigação do EIA para, posteriormente, fazer as necessárias averiguações.
“Nós, como Governo, zelamos pela gestão sustentável dos recursos florestais e, naturalmente, estamos disponíveis para estabelecer contactos com esta organização e com outras que fazem trabalhos similares”, garantiu.
Relativamente às zonas controladas pelos insurgentes, o dirigente esclareceu que estas estão, de acordo com a estrutura definida pelo Estado moçambicano, sob responsabilidade das Forças de Defesa e Segurança, a quem cabe “proteger as pessoas, os bens, o património do Estado e garantir a integridade territorial”.
Este facto, que decorre da Constituição da República, não inibe, ainda assim, o MTA de fazer o seu trabalho. Por isso mesmo, a AQUA está a fazer fiscalização em todas as províncias, especialmente em “pontos de concentração de produtos florestais”, assegura Arsénio Chelengo.
Para sustentar esta afirmação, as fontes lembram que o Governo abortou, em finais de 2020, a tentativa de exportação de 65 contentores de madeira em touro em Montepuez, para além de ter feito diligências para o retorno de 75 contentores de madeira que havia sido exportados ilegalmente para China.
“Estamos atentos às ilegalidades”
O MTA confirma que “Cabeça Grande” é operador florestal, tendo uma concessão de 19 200 metros cúbicos em Mueda e um estaleiro em Montepuez. Mas, segundo o director nacional de florestas, é a primeira vez que surge indicação de que pode estar a praticar ilegalidades, um dado que será averiguado.
Entretanto, o MTA, assegura Afonso, está atento a quaisquer actos ilícitos e disposto para responder com celeridade. “Sempre que detectamos ilegalidades, respondemos prontamente”, afirmou, citando as recentes apreensões acima citadas como exemplo.
Entretanto, mais do que reagir em face de ilegalidades, o MTA considera ser essencial agir proactivamente, impedindo actos ilícitos. Para isso, está a implementar um conjunto de medidas.
“Contratamos cerca de 1000 fiscalizadores no ano passado, num contexto conturbado economicamente. Para além disso, foram adquiridas viaturas para todas as províncias”, anota Arsénio Chelengo. A par disso, há um esforço no sentido de reforçar a transparência e reduzir a corrupção no sector.
“Estamos a implementar o Sistema de Informação Florestal, que nos permite sair do analógico para o digital. Ajuda a evitar a corrupção, na medida em que será o sistema a tomar as grandes decisões em termos de licenciamento. Estamos a limar as arestas do mesmo e nos próximos anos vai funcionar em pleno”, revela o director nacional de florestas.
Os dois interlocutores garantem que o Governo está comprometido com a preservação das espécies florestais e com a agenda ambiental no seu todo. “O MTA recebeu USD 6 milhões por ter reduzido 1.28 milhões de toneladas de emissão do carbono”, lembra Cládio Afonso, que cita também a interdição de extracção do pau- -ferro, a qual se juntam outras acções ao nível da legislação.
Texto extraído na edição 561 do Jornal Dossiers & Factos