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Tradição africana é motivo para um estudo profundo 

Regressamos, depois de uma semana de interrupção forçada devido a uma avaria grossa que afectou parte do nosso equipamento informático, em especial, o computador principal. Apesar de a situação ainda não estar, totalmente, resoluta, com o apoio de alguns parceiros de boa-vontade, foi possível aliviar a pressão, com a paginação do jornal que está a ler neste momento.

Este episódio é mais um dos vários que fazem parte da rubrica “História de Vida” deste jornal, que, no presente ano, completa a primeira década da sua existência.

Na verdade, a história de vida que pretendo aqui contar não tem que ver com o jornal, mas sim com um acontecimento registado há pouco mais de duas décadas, na província de Inhambane.

José Penicela, nome fictício, era natural e residente do distrito de Govuro, na mesma província – Inhambane. Era dono de uma viatura de marca Isuzu KB e comerciante na sua zona de origem e residencial. Devido à natureza da sua actividade, era comum deslocar-se às capitais económica e política daquele ponto do país, respectivamente Maxixe e Inhambane, onde adquiria a maior parte dos produtos para a posterior revenda em Govuro.

Da Maxixe para o distrito de Govuro, a distância é de aproximadamente 225quilómetros de Estrada, e um pouco mais para quem segue pelo mar.

O que sucede é que Penicela se deslocara para a cidade da Maxixe, onde fez compras, encheu a sua viatura e a cobriu com lona. Feito isto, e porque pretendia tratar doutros assuntos na outra margem da baía, foi encostar o veículo bem próximo à ponte-cais e trancou as portas, e entrou numa pequena embarcação à vela que estava pronta a atravessar para a cidade de Inhambane.

José Penicela era conhecido pelos guardas que trabalhavam ali na ponte-cais. Saudou-os e pediu-lhes que ficassem a cuidar do seu carro. O barco iniciou a viagem de travessia, mas um infortúnio acontece minutos depois, quando este naufraga, matando 14 dos 17 ocupantes, incluindo José Penicela, que a partir de então foi dado como desaparecido.

Durante quatro dias, as equipas de socorro se desdobraram em busca dos corpos ou prováveis sobreviventes, e o corpo de José Penicela era o único que não era localizado.No quinto dia, quando menos se esperava, eis que, curiosamente, no início da tarde, chegam à ponte-cais da Maxixe três indivíduos que se identificaram como familiares do dono da viatura Isuzu KB, neste caso, José Penicela.

Para o espanto dos guardas e de alguns agentes da polícia, estes três indivíduos, ao serem informados que o dono da viatura desaparecera no naufrágio ocorrido dias atrás, confirmaram que o mesmo havia perdido a vida e disseram que o corpo já tinha sido enterrado em Govuro, onde foi sobressair.

Sim, isso mesmo! O corpo foi sobressair a 225 quilómetros de distância da Maxixe, local onde aconteceu o naufrágio.

Ora, esta informação deixou estupefactosos os agentes de segurança, que de imediato envidaram os esforços para contactar as autoridades policiais de Govuro, que confirmaram ter sido encontrado junto à margem do mar em Govuro o corpo de José Penicela, que, em vida, residia, justamente, na localidade para onde o corpo foi sobressair. Note que o corpo de José Penicela sobressaiu, exactamente, na localidade onde residia, três dias após o naufrágio na Maxixe. Nos bolsos das calças da sua balalaica, foram encontrados alguns dos seus pertences, com destaque para a carteira, contendo os documentos pessoais, dinheiro e as chaves da sua viatura.

No entanto, foi ao longo da noite do dia em que o corpo sobressaiu em Govuro que os seus familiares viram-se uma vez mais obrigados a sair em busca de curandeiros para saberem o que é que teria acontecido com o seu já ente-querido. Aliás, dada a demora para voltar à casa, as suas duas esposas e o filho mais velho, saíram, isso no segundo dia, em busca de “tintlholo” – consulta tradicional que, geralmente, é feita pelos curandeiros – e, lá, foi-lhes dito que ele estava a caminho de casa, mas deviam-se preparar porque podia chegar sem vida. Acrescentaram-lhes que estava acompanhado pelos seus defuntos, em especial, pela sua avó, que, ao que se conta, perdeu a vida, também, no mar.

Este episódio menos comum deixou perplexa algumas comunidades das localidades circunvizinhas daquela onde José Penicela nasceu e cresceu. O outro dado curioso é que, na loja onde o malogrado vendia, muita gente da comunidade levantava os produtos a título de empréstimo-vale, e não tinha registo nenhum em caderno, mas, semanas depois da sua morte, José Penicela aparecia nas noites em casas dos devedores a exigir que estes fossem pagar o devido.

Essas dívidas foram devidamente pagas e cada um que se deslocasse para o efeito levava consigo um cabrito, que servia de pedido de perdão à família. Todo o ritual a ser feito era informado pelo próprio devido ao devedor durante a visita nocturna que este efectuava, e ainda dizia se o devedor devia levar uma fêmea ou macho.

Esta história e outros acontecimentos narrados aqui nesta página, mas não só, constituem motivos para se afirmar que os nossos hábitos, usos e costumes, a tradição africana, necessitam de estudo profundo para serem entendidos e melhor interpretados.

 

 

 

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