Por Serôdio Towo
As salvas de palmas são uma manifestação de sentimentos ou emoções muito comuns na Assembleia da República. Geralmente, os representantes do Povo aplaudem em apoio ou aprovação de algo apreciável, ou em reconhecimento de acções meritórias, sejam elas suas (deputados) ou das forças políticas a que estão filiados.
Os deputados são especialistas em aplaudir. Sabem mais aplaudir do que qualquer outra coisa relacionada com a sua função legislativa. Já aplaudiram centenas de vezes, mas não é conhecida qualquer iniciativa ou projecto de lei de qualquer dos 250 deputados. Aplausos são a coisa mais comum no dia-a-dia dos (in)dignos representantes do Povo.
Os deputados aplaudem mais do que apresentam iniciativas ou projectos de lei. Parece que a indução dos mesmos no início de cada legislatura serve mais para muni-los de habilidades no seu principal instrumento de trabalho – palmas.
É por isso que, na terça-feira (20/12/2022), aquilo a que se assistiu não constitui excepção. Aconteceu durante a apresentação do informe anual sobre o Estado Geral da Nação (EGN), feita pelo Presidente da República na Casa do Povo (Assembleia da República). Os deputados puseram-se a executar a única função que assimilaram: aplaudir.
Parecia literalmente uma sessão exclusiva de “salva de palmas”. Aplaudiram tanto e de forma indiscriminada, inclusive ao anúncio feito pelo Presidente da República, sobre o não pagamento do 13º salário aos funcionários e agentes do Estado. Sim. Houve salva de palmas!
Como aquela salva de palmas em nada se distingue das outras que ecoaram durante o ano todo, assumo que aqueles aplausos da terça-feira também sejam sinal de aprovação, admiração e empatia pela decisão do mais alto Magistrado da Nação de retirar o 13º salário aos funcionários e agentes do Estado.
É preciso excluir qualquer equívoco de interpretação dos aplausos. Eles têm um e único significado: aprovação; saudação calorosa à decisão do líder. Mas, das mil e uma razões dos aplausos dos deputados, vamos tentar destacar algumas:
- Os deputados têm todos motivos para celebrar o não pagamento do 13º salário, pois o seu salário definido pela TSU vale mais do que 10 décimos terceiros;
- A TSU foi muito generosa com os representantes do Povo, ao lhes catapultar de cerca de 120 mil meticais para 324 mil meticais por mês, sem incluir subsídios;
- Os deputados eleitos pelo povo têm cerca 74 mil meticais de subsídio de renda;
- O Estado deve a cada deputado cerca de 400 mil meticais só em retroactivos decorrentes da TSU, estando a pagar parceladamente este valor. De certeza que até Janeiro não há razões para que os deputados entrem em crise;
- A falta do 13º não causa prejuízos significativos às contas dos deputados; Se houver, é bom. Caso não, é problema dos verdadeiros afectados;
- A TSU que eles mesmos aprovaram resolveu, até ao fim do mandato, problemas elementares da vida que afectam a maioria dos moçambicanos, incluindo dos funcionários e agentes do Estado;
- Aos deputados não é exigido qualquer esforço adicional para pagar matrícula dos seus herdeiros já em Janeiro próximo;
- Os deputados não precisam apresentar qualquer projecto ou iniciativa de lei. Basta-lhes marcar presença na sala de sessões, com as palmas untadas de azeite para cumprir o ritual dos aplausos, arte que melhor dominam na sua função legislativa;
- Os deputados têm direito a um valor – retirado dos nossos impostos – para compra de viatura, que depois lhes é descontado às quinhentas, só para não se humilharem perante as altas taxas de juros dos bancos.
- Os deputados têm direito à isenção aduaneira, que lhes permite importar viaturas sem ter que pagar qualquer imposição aduaneira;
- Os deputados gozam de um tratamento protocolar que lhes confere o direito ao passaporte diplomático, só para não se misturarem, nas filas dos aeroportos e fronteiras, com os seus mandatários;
- Os cuidados de saúde dos deputados e dos seus dependentes estão garantidos pelo Estado, só para que não corram riscos de se contaminar com doenças que afectam os seus mandatários;
- Os deputados estão motivados suficientemente para aplaudir a qualquer medida que desgraça o Povo. Eles viajam, por direito, na classe executiva durante as suas deslocações dentro do País;
- Os deputados têm direito a “capangas” que os assistem na preparação das sessões de salva de palmas;
- Os deputados têm direito a cerca de 500 mil meticais anuais, pagos de uma só vez, designados de subsídio de círculo.
- Alguns deputados andam em Mercedes protocolares, com todas medidas de segurança garantidas.
Há quem esteja indignado com as palmas dos deputados…Eles têm todas as razões do mundo para festejar a medida do Governo. Mas, eish, está difícil de engolir…
