Defende Ngoenha
Em Janeiro de 2024, os moçambicanos testemunharão mais uma transição de poder, com Filipe Jacinto Nyusi a passar as pastas ao próximo Presidente da República, a ser escolhido no próximo dia 09 de Outubro. No entanto, o facto de estar a escassos meses do fim do mandato não tem impedido o actual timoneiro e seu Governo de fecharem acordos estruturais, o que merece críticas por parte do filósofo Severino Ngoenha, para quem, nas circunstâncias actuais, o Executivo devia limitar-se apenas aos “actos de gestão”.
Texto: Amad Canda
Lutero Simango, Daniel Chapo, Venâncio Mondlane e Ossufo Momade. Uma destas quatro figuras tomará posse no início do próximo ano como o quinto Presidente de Moçambique e o quarto democraticamente eleito. Em campanha eleitoral, todos convergem na ideia de que é necessário renegociar os contratos de megaprojectos, numa altura em que dados indicam que o excesso de benefícios fiscais lesa o Estado moçambicano em cerca de USD 400 milhões anualmente. Trata-se de uma intenção salutar num País carente de recursos financeiros para a implementação de projectos de desenvolvimento e que, na opinião do filósofo moçambicano Severino Ngoenha, não deveria ser apenas um “apêndice” nos manifestos eleitorais, mas “um instrumento de base”.
Por ser o único caminho que permite ao País traçar suas prioridades de forma independente – longe dos condicionalismos impostos por doadores e credores – Ngoenha defende que o pagamento de impostos deveria ser uma causa nacional, transversal aos partidos políticos e seus respectivos candidatos. Partindo desta premissa, o filósofo expressa preocupação com a existência de contratos que fazem com que indivíduos se tornem “proprietários” de áreas que são berços de riquezas (recursos) essenciais ao Estado.
Alguns destes acordos estão a ser assinados “neste momento de transição, o que incomoda Severino Ngoenha, que é reitor da Universidade Técnica de Moçambique (UDM). “O que se devia fazer, e é o que se faz em muitos países, é uma gestão corrente, não a celebração de acordos estruturais”, defende.
Na opinião do académico, tais acordos “amarram os próximos governantes, que ficarão sem margem de negociação”. “Nós temos que renegociar os contratos já firmados”, continua, sublinhando que, em nome do nacionalismo moçambicano, “devíamos evitar celebrar acordos que impossibilitem os próximos governantes de tomar decisões”.
Entre os acordos estruturais firmados no final do presente ciclo governativo, o que considera “grave e inconsciente”, o académico cita dois: a extensão do contrato com a Sociedade de Desenvolvimento do Porto de Maputo (MPDC), concessionária do Porto de Maputo, e a concessão de parte do estratégico Porto de Nacala, na zona norte do País, ao Malawi.
O primeiro negócio foi fechado em Fevereiro deste ano e estende a concessão por mais 25 anos, ou seja, até 2058. Um dos detalhes mais espantosos deste dossier é que o contrato anterior, firmado em 2003, só chegaria ao fim em 2025, altura em que o País estará, inevitavelmente, sob uma nova administração. “Não podíamos deixar que esse acordo fosse feito por quem vai governar em seguida, independentemente do partido?”, questiona Ngoenha.
Por sua vez, a concessão de parte do Porto de Nacala, que recentemente estabeleceu um novo recorde de manuseamento de carga contentorizada, foi anunciada em Agosto pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, após conversações com o seu homólogo malawiano, Lazarus Chakwera, sendo que se sabe pouco ou quase nada sobre as cláusulas do acordo.
Aos exemplos citados pelo académico, soma-se o acordo de implementação do projecto hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa, que abriu as portas à entrada do consórcio constituído pela Electricidade de França (EDF), TotalEnergies e Sumitomo Corporation, que detêm 70% do projecto.
Avaliado em USD 5,5 mil milhões, Mphanda Nkuwa deverá ter uma capacidade instalada de geração de 1.500 MW, o que reforçará a importância de Moçambique no sector energético da África Austral.
Falta de cautela governamental vs. prudência dos investidores
A mensagem de Severino Ngoenha, lançada no seu podcast “Pensar em Comum”, pode ser interpretada como um apelo à cautela, tendo em conta o contexto político (realização de eleições, com a possibilidade, pelo menos no plano teórico, de uma mudança de regime). Curiosamente, é com cautela que têm estado a agir as multinacionais que lideram os projectos de exploração de Gás Natural Liquefeito na Bacia do Rovuma, em Cabo Delgado.
Foi o próprio Chefe de Estado moçambicano que o admitiu, na semana passada, em Nova Iorque, à margem da 79ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). “Nesses momentos eleitorais, todos gostam de ter certeza sobre como as coisas vão terminar e há uma coincidência de momentos em Moçambique e nos Estados Unidos”, afirmou Nyusi.
Neste momento, pelo menos dois megaprojectos encontram-se em standby em Moçambique. O primeiro, na Área 1 da Bacia do Rovuma, foi suspenso em 2021, quando a TotalEnergies declarou “força maior” após uma mortífera incursão terrorista em Palma, a poucos quilómetros do acampamento da empresa francesa.
Já o segundo está sob a alçada da ExxonMobil, que hesita há anos em tomar a Decisão Final de Investimento (DFI), apesar de, periodicamente, emitir sinais de esperança. Aliás, após um encontro com Filipe Nyusi nos EUA, o vice-presidente da companhia que lidera o consórcio da Área 4, Walter Kansteiner, anunciou a conclusão, dentro de um ano, do design técnico do projecto de extracção de gás natural, uma etapa crucial para a tomada da DFI.