EnglishPortuguese

Agronegócio: sector com potencial, mas eternamente ignorado

Em grande entrevista ao Dossiers & Factos, Bruno Comini, uma das figuras mais renomadas do empresariado nacional, aborda vários assuntos ligados ao agronegócio em Moçambique. Fazendo a radiografia do último semestre do ano passado, o empresário, que actualmente desempenha as funções de Delegado Provincial da Câmara do Comércio de Moçambique em Inhambane, considera que nesse período o ambiente de negócio foi bastante estranho no sector do agronegócio. Em causa estiveram factores tais como escassez da matéria-prima, abate indiscriminado do coqueiro e mudanças climáticas. Comini avança três propostas de soluções para reverter o actual cenário. Leia a entrevista no estilo de perguntas e respostas.

Texto: Anastácio Chirrute, Inhambane

Dossier & Factos (D&F): Que avaliação faz do desempenho das empresas do sector do agronegócio baseadas aqui na província de Inhambane, olhando para o segundo semestre do ano passado?

Bruno Comini (BC): Do ponto de vista meteorológico, foi um ano bastante estranho, porque tivemos ondas de frio e calor, mas o frio foi mais forte porque se alastrou até Agosto, tendo afectado negativamente o sector do caju, que teve uma produção muito aquém do desejado. O outro sector que também sofreu os mesmos impactos é o do coco. Em todos os sectores ainda não sentimos aquelas medidas que visam proteger o agronegócio e a cadeia de valor do coco, porque o nosso coco está a tornar-se cada vez mais escasso e, quando olhamos para o nosso coqueiral, notamos que está a envelhecer e a tornar-se menos produtivo e com taxa de abate bastante elevada.

D&F: Sabemos que há situações de abate de coqueiros, que vos preocupam. Afinal, o que pretendem os que protagonizam estes abates, por vezes de forma indiscriminada?

BC: Obviamente que o coqueiro ora abatido é usado exclusivamente para produção da madeira para o fabrico de mobílias, na construção de casas, etc., contribuindo para a renda de algumas famílias, mas há aqui um problema de não fazer o seu repovoamento para beneficiar as futuras gerações.

 

“Riqueza de Inhambane é o coco”

 

D&F: Quais é que acham que deviam ser as medidas a tomar para reverter o actual cenário que é vivido na nossa província?

BC: Bom, há algumas questões que estão a ser debatidas ao nível do governo, uma das quais tem a ver com o controlo que se deve ter com os estaleiros de serração da madeira, para ver como estes fazem o abate do coco. É necessário insistir no fomento do coco, porque a população não tem noção da importância de plantar coqueiro, e se a população plantar coqueiro vamos ter uma produção garantida por uns cinco anos, pelo menos. É preciso trabalhar seriamente com as lideranças locais e fazer-lhes perceber que a riqueza da província de Inhambane é o coco. Zambézia praticamente já tem défice de coco.

D&F: Tem repisado muito nesta questão da necessidade de defender a nossa riqueza, neste caso o coqueiro, mas, em contrapartida, não vemos nenhum empresário preocupado em fazer o fomento do mesmo. O que estaria a falhar? Qual tem sido a vossa comunicação com o governo?

BC: A nível teórico, é bem acolhida [a ideia], mas depois existem problemas como crise económica e falta de fundos e de projectos específicos que possam velar por esta parte, porque não é qualquer coco que deve ser produzido. Foi feita a experiência do coqueiro híbrido vindo do Brasil, e vimos que não era solução porque é susceptível a doenças. Nós, aqui em Inhambane, temos a sorte de ter uma espécie que é chamada Mozambique tolcrine, que é uma espécie resistente a doenças e é necessário envolvermos especialistas na área para fazer a devida assistência.

 

“Terra só é do Estado no papel”

D&F: Temos muitos empresários e com muito dinheiro, mas parece que há falta de vontade em apostar no projecto de fomento. O que explica isso?

BC: Que eu saiba, existem pedidos de terrenos que os empresários submeteram ao governo para o fomento do coqueiro, existem empresários que pediram mais de mil hectares, mas sempre há demora por causa da burocracia e dificuldades na gestão. Embora se diga que a terra é do Estado, isso só está escrito no papel. Na prática, é outra coisa. Onde vamos encontramos um dono e o empresário deve indemnizar aquelas famílias e reassentá-las em outras zonas. Depois, para se ter acesso ao tal DUAT também é muito difícil. Juntando tudo isso, o investidor acaba ficando frustrado e desiste do projecto.

D&F: Os Profissionais que lidam com o agronegócio são qualificados e capazes de tornarem as empresas do agronegócio mais competitivas?

BC: Uma coisa é o certificado que muitos de nós temos, mas que não define o que sabemos fazer. Temos muitos engenheiros agrónomos e até universidades, mas no que diz respeito ao saber fazer como tal, temos poucos profissionais, podemos contar a dedos. Temos a quantidade suficiente mas não temos a qualidade de que o mercado precisa.

D&F: Se não temos profissionais qualificados, qual tem sido a alternativa para tornar o agronegócio mais competitivo?

BC: Nós temos um exemplo que devia ser replicado, que é o projecto da Agri-Maçaroca. Temos uma empresa com capital sul-africano que está a trabalhar de forma muito mais preparada tecnicamente, de tal forma que está a conseguir produzir batata, cereais e banana de qualidade.

D&F: Significa que o surgimento do projecto da Agri-Maçaroca veio ofuscar a imagem do regadio de Chimunda, em Govuro?

BC: Quem faz melhor o negócio é o sector privado. O governo deve ser facilitador e não travão, se não vamos ter situações como as que estão a acontecer com o regadio de Chimunda, que está inoperacional.

D&F: Qual tem sido o contributo do agronegócio na economia da província?

BC: A agricultura é a base do desenvolvimento da província, é a área que mais contribui para o Produto Interno Bruto (PIB) da província de Inhambane. Estamos a falar de cerca de 60 a 75%. Felizmente, quando falamos de agricultura aqui estamos a falar de agricultura familiar. Quando falamos da economia familiar estamos a falar de baixa quantidade e cadeia de valor curta, produzimos pouco mais do que consumimos.

D&F: Temos a agricultura como base de desenvolvimento da província, mesmo assim compramos muito caro os produtos

BC: Tivemos aquilo que o governo chamou de medidas de aceleração económica, que instituiu aquando da eclosão da Covid-19, e lá tinha uma medida de isenção das barreiras do que os importadores pagam na importação de máquinas agrícolas, e isso ficou apenas no papel. Os importadores são obrigados a pagar as taxas. Temos o custo de energia eléctrica em Moçambique, que é elevadíssimo. Não temos uma facilitação tarifária ou subsídio no agronegócio sobre o custo de energia em Moçambique. Não temos a economia de escada, em que quanto mais produz os custos baixam. Então, nós estamos no mercado global, onde estamos a concorrer com empresas que têm uma grande quantidade e conseguem fazer preços inferiores. Temos que pensar sobre os custos, uma das coisas que temos que fazer é incentivar as empresas a crescerem para poderem desfrutar das economias de escala.

 

Gostou? Partihe!

Facebook
Twitter
Linkdin
Pinterest

Sobre nós

O Jornal Dossiers & Factos é um semanário que aborda, com rigor e responsabilidade, temáticas ligadas à Política, Economia, Sociedade, Desporto, Cultura, entre outras. Com 10 anos de existência, Dossiers & Factos conquistou o seu lugar no topo das melhores publicações do país, o que é atestado pela sua crescente legião de leitores.

Notícias Recentes

Edital

Siga-nos

Fale Connosco