O contrato que a Empresa de Fundição de Alumínio (Mozal) rubricou com a Eskom, para aquisição de energia, chega ao fim no primeiro trimestre de 2026. Perante esta situação, a empresa já se mobiliza para garantir a continuidade do fornecimento daquele recurso e, consequentemente, da sua actividade industrial. É nesse quadro que propôs ao Estado moçambicano um negócio potencialmente ruinoso para o País, pois implicaria da parte moçambicana a venda de energia a “preço de banana”.
Texto: Serôdio Towo
A data 15 de Março de 2026 marca o término do contrato entre a Mozal e a empresa estatal sul-africana de energia Eskom, assim como a Mozambique Transmission Company (Motraco), ao abrigo do qual as duas últimas empresas fornecem energia à primeira desde o início das suas operações em Moçambique, no longínquo ano de 2000.
Trata-se de um negócio que, a meio do percurso, concretamente em 2010, sofreu uma alteração, com a Motraco, Eskom e a Mozal a concordarem com a inclusão de uma cláusula que estabelece que a energia fornecida pela Eskom à Mozal é oriunda da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB). Estranhamente, a HCB nunca foi parte dessa emenda contractual.
Entretanto, a Mozal está agora interessada em rubricar contrato com o Governo de Moçambique para a mesma finalidade, tendo já, segundo apurou Dossiers & Factos, iniciado contactos com o Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME), com a Electricidade de Moçambique (EDM), com o Gabinete de Implementação do Projecto Hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa (GMNK) e ainda com a HCB, mas existe um detalhe sujo no meio desta pretensão.
Mozal pretende adquirir energia a preço de banana
Dossiers & Factos sabe de fontes oficiais e através de documentos comprovativos que, interessado na continuidade das suas operações após -2026, a empresa Mozal tentou a extensão da sua ligação contratual com a Eskom/Motraco, mas a tarifa para a venda de energia que foi proposta pelos sul-africanos é considerada pelo interessado na compra – Mozal – como inviável.
Dados em poder do Dossiers & Factos provam que, para além de negociar com os seus actuais fornecedores de energia, a Mozal ainda lançou um processo de licitação a nível da região da África Austral, mas as ofertas que encontrou no mercado foram também consideradas demasiado custosas, o que, segundo a companhia, inviabilizaria seu negócio.
É neste contexto de dificuldades no exterior que a Mozal se vira para o mercado interno, tentando convencer o Estado Moçambicano a assumir o papel de fornecedor. O Estado, por sua vez, criou um Grupo de Trabalho constituído por representantes do Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME), da Electricidade de Moçambique (EDM), da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), do Gabinete de Implementação do Mphanda Nkuwa (GMNK) e da MOTRACO, ao qual juntar-se-iam, mais tarde, representantes dos Ministérios da Economia e Finanças, assim como os da Indústria e Comércio.
Foi a este grupo que a Mozal apresentou uma proposta que está longe de responder aos interesses nacionais. “Na sua apresentação, a Mozal advoga uma tarifa de energia eléctrica na ordem dos 3,8 USc/kWh, que se mostra incomportável para qualquer que seja o fornecedor, uma vez que o custo médio de aquisição de energia está actualmente na ordem dos 7,5 USc/kWh ao consumidor final, excluindo os custos de Transporte e sua Distribuição”, lê-se num documento do Governo interceptado pelo Dossiers & Factos.
Mozal quer energia de Moçambique a preços baixíssimos que não existem no mercado
O mesmo documento deixa claro que o preço pretendido pela Mozal está abaixo dos custos médios de aquisição de energia ao País e mais de 50% abaixo dos preços de energia praticados no mercado regional, bem como abaixo do preço a que a HCB actualmente vende à ESKOM ao abrigo de um contrato que vigora até 2030.
Posto isto, o MIREME considera que “torna-se insustentável o fornecimento de energia à Mozal nas quantidades e nos termos por ela definidos, a não ser com o subsídio do Estado Moçambicano acima de 250 MUSD/ano ou dos actuais consumidores nacionais de energia que já pagam uma tarifa média na ordem dos 12 USc/kWh, ajustando a tarifa para níveis de 14,5 USc/kWh”
Sacrificar o povo para alegrar accionistas
Dossiers & Factos sabe ainda que, no âmbito das conversações com a Mozal, o Governo moçambicano solicitou junto desta o Modelo Financeiro, com vista a avaliar pressupostos tais como a estrutura de custos, regime de tributação fiscal, projecção de receitas, entre outras variáveis que determinam a viabilidade da operação da MOZAL. Seguidamente, o Executivo contratou a Ernst & Young para fazer uma avaliação independente.
Ao que se sabe, aquela agência de consultoria já apresentou o relatório preliminar, aguardando-se agora pelo definitivo, que a princípio devia ter sido disponibilizado em finais do passado mês de Abril. Há, no entanto, um conjunto de pressupostos já apresentados ao Governo, nos quais assenta a proposta de preço da Mozal. Entre eles, “a necessidade de uma tarifa de fornecimento de energia que garanta uma remuneração de 100 MUSD por trimestre aos seus accionistas”.
Dito doutro modo, a empresa propõe simplesmente que o povo moçambicano, proprietário legítimo das principais unidades de geração de energia que pretende comprar, seja sacrificado para assegurar que os seus chefes não percam um centavo dos seus sagrados lucros. É caso para afirmar que a Mozal poderá extorquir novamente o Governo moçambicano, comprando energia a preço de banana podre.
Há sensivelmente um mês que Dossiers & Factos enceta esforços para ouvir a Mozal, mas sem sucesso. Inclusive, o jornal enviou por email questões à South 32, o grupo que detém a Mozal, mas não obteve resposta.
Texto extraído na edição 561 do Jornal Dossiers & Factos