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Desigualdades sociais: meia dúzia na luxúria e bilhões na miséria

As desigualdades sociais são apontadas como um dos maiores problemas com que o mundo se debate, mas parece não haver medidas eficazes para travá-las. Pelo menos é o que mostram os factos. Dados recentemente publicados pela Oxfam, uma organização humanitária internacional que luta contra a pobreza e fome, revelam que o 1% dos mais ricos do mundo controla, agora, dois terços de toda a riqueza gerada desde 2020 até finais de 2022.

Texto: Amad Canda

Chama-se “a sobrevivência dos mais ricos” o relatório publicado pela Oxfam. Ironicamente, retrata um cenário em que os mais pobres são obrigados a “sobreviver”, enquanto os mais ricos, porque detentores de todos os meios, comandam a vida.

As estatísticas, apresentadas recentemente no Fórum Económico Mundial, em Davos, na Suíça, são aterradoras, na medida em que mostram um quadro de agravamento da pobreza cada vez mais preocupante. O restrito grupo que compõe o 1% dos mais ricos do planeta açambarcou dois terços de toda a riqueza produzida no período entre 2020 e 2022. Tal corresponde a quase o dobro do dinheiro que está nas mãos de 99% da população mundial.

“As fortunas bilionárias estão a aumentar em USD 2,7 bilhões por dia, ao mesmo tempo que a inflação ultrapassa os salários de pelo menos 1,7 bilhão de trabalhadores, mais do que a população da Índia”, elucida a Oxafam, que não poupa críticas às elites capitalistas.

“Enquanto os bilionários, líderes de governos e executivos corporativos chegam em jatinhos para se reunirem no topo da sua montanha em Davos, Suíça, o mundo enfrenta um conjunto dramático, perigoso e destrutivo de crises simultâneas. Estas estão tendo um impacto terrível sobre a maioria das pessoas”.

 O “nirvana” das empresas de energia e alimentos

Em meio ao conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia, que gerou uma profunda crise energética, as grandes corporações de energia foram, a par das alimentares, as que mais se beneficiaram. Segundo a Oxfam, empresas ligadas a estes ramos mais do que duplicaram os seus lucros em 2022, tendo pago USD 257 bilhões aos seus accionistas.

As petrolíferas, de modo particular, vivem um autêntico nirvana nos últimos anos, mercê da escassez de combustíveis, resultante das sanções impostas sobre a Rússia pelos Estados Unidos da América e pela União Europeia.

A britânica Shell apresentou um lucro de USD 9,13 mil milhões durante o primeiro trimestre de 2022. “São mais 41% face ao último trimestre de 2021 e quase o triplo dos USD 3,2 mil milhões de lucros registados no período homólogo”, relatou o Jornal de Negócios.

Também das “terras de sua majestade”, a BP fechou o segundo trimestre do ano 2022 com um lucro de USD 8,5 mil milhões de dólares. É o triplo do encaixado em 2021 e é preciso recuar 14 anos para encontrar um registo trimestral similar.

Por sua vez, a norte-americana Exxon anunciou, em Julho, que seu lucro no segundo trimestre de 2022 foi de US $17,9 bilhões. Já a Chevron, também americana, registou um lucro recorde de USD 11,6 bilhões, bastante superior aos USD 3,1 bilhões registados no mesmo período de 2021.

Quem também agradece a actual conjuntura é a Petrobras. Só no primeiro trimestre do ano passado, a estatal brasileira encaixou USD 8,6 bilhões, e, segundo a imprensa local, só ficou atrás da estatal saudita Saudi Aramco, que lucrou USD 39,4 bilhões.

Lucros imorais

Para o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, os lucros das empresas de petróleo e gás são “imorais” e estão a ser obtidos “à custa das pessoas e comunidades mais pobres e com um custo enorme para o clima”. Como tal, Guterres lançou, no ano passado, uma exortação aos Governos:

“Peço a todos os governos que tributem esses lucros excessivos e usem os fundos para apoiar as pessoas mais vulneráveis ​​nestes tempos difíceis. E peço às pessoas de todos os lugares que enviem uma mensagem clara à indústria de combustíveis fósseis e aos seus financiadores de que essa ganância grotesca está a punir as pessoas mais pobres e vulneráveis, enquanto destrói a nossa única casa comum, o planeta”.

As declarações do chefe da ONU constam de um relatório da organização sobre as consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia, na qual também avisa que até o final do ano, 345 milhões de pessoas estarão em insegurança alimentar aguda ou em alto risco de insegurança alimentar em 82 países.

Os apelos à tributação dos “lucros excessivos” têm sido feitos também em Portugal, sobretudo por partidos de esquerda. Pedro Filipe Soares, para quem os lucros da Galp constituem um “achincalhamento dos sacrifícios que o país está a passar”, defende que os lucros extraordinários sejam taxados e que o Governo português aja sobre as margens dos preços dos combustíveis.

A proposta do Bloco de Esquerda ainda não encontrou acolhimento por parte do Governo liderado por António Costa, que, neste capítulo, conta com o apoio dos partidos da direita.

No Reino Unido, à semelhança da Itália, o governo anunciou, em Maio de 2022, a imposição de uma taxa temporária de 25% sobre os lucros extraordinários.

 

A outra face da moeda

Na mesma proporção em que o núcleo dos mais poderosos multiplica a sua riqueza, degradam-se as condições de vida de bilhões em todo o mundo. Segundo o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, o índice de desenvolvimento humano está em declínio em mais de 90% dos países.

O relatório do Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2022, lançado pela ONU, indica que o número de pessoas afectadas pela fome em todo o mundo subiu para 828 milhões em 2021, uma alta de cerca de 46 milhões desde 2020 e 150 milhões desde o início da pandemia de Covid-19.

De acordo com os dados apresentados, a proporção de pessoas afectadas pela fome vinha praticamente inalterada desde 2015, próxima de 8% da população global. Com a crise de saúde e a guerra na Ucrânia, o número saltou nos últimos anos e agora já afecta 9,8% das pessoas no mundo, escreve o site oficial da ONU.

O ONUnews aponta, ainda citando o mesmo relatório, que quase 924 milhões de pessoas, ou 11,7% da população global, enfrentaram insegurança alimentar em níveis graves, um aumento de 207 milhões em dois anos.

 

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