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FUNDO SOBERANO DE MOÇAMBIQUE: Sociedade Civil critica excesso de poderes do MEF

O sector da indústria extractiva no País é visto como “salvador”, ou seja, com potencial de impulsionar o crescimento económico assim como oferecer oportunidades para o desenvolvimento sustentável do País, e das comunidades em particular. Foi esta uma das razões que forçou o Governo moçambicano a criar o Fundo Soberano Moçambicano (FSM) para gerir os ganhos provenientes deste sector, com maior enfoque para o gás. É nesta senda que várias vozes da sociedade têm vindo a criar debates em volta da funcionalidade do FSM com vista a promover um desenvolvimento sustentável no País. A falta de capital humano, o desenvolvimento cíclico, instituições fracas, a falta de inclusão e de transparência e a persistência de quadros legais coloniais são alguns desafios apontados pelos representantes da Sociedade Civil num debate promovido esta semana pelo Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD), no âmbito da Plataforma INCLUDE.

Texto: Milton Zunguze

Num painel que tinha por objectivo discutir os desafios e oportunidades em volta da gestão do FSM, o representante da OXFAM em Moçambique, Romão Xavier começou por questionar “o que é que o País fará com o Fundo Soberano?”, pois no entender dele, o histórico de Moçambique não abre janela positiva para a implementação de iniciativas desse género.

Durante a sua explanação, trouxe como um dos grandes desafios com vista a ter sucesso na implementação FSM o capital humano, pois na percepção do mesmo, “[…], não há nenhum recurso do mundo que promove o desenvolvimento”, para além da capacidade humana. “O que promove o desenvolvimento é o capital humano, usando os meios ao seu alcance e esses meios podem ser recursos, e a pergunta que segue é: será que o FSM vai trazer uma dimensão de desenvolvimento do capital humano?”, questiona.

O País ainda carece de instituições fortes

A falta de promoção de desenvolvimento inclusivo, para além das instituições fracas, sejam elas formais ou informais, também representam um problema. “Com isso temos outro desafio, que é da vontade política. Sem vontade política o desenvolvimento não acontece”. A desigualdade é outro factor em contramão do êxito do FSM. Romão Xavier defende a necessidade de fazer com que o cidadão se sinta parte deste processo.

“Só instituições fortes podem promover o desenvolvimento e, no nosso País, as instituições são extremamente fracas. As instituições formais, a Assembleia da República (AR), o poder judicial e o poder executivo estão extremamente fracos, e as instituições informais também. Para a promoção de desenvolvimento inclusivo, o cidadão tem que ser o guardião dos recursos. Como é que ele participa na tomada de decisão em volta disso?”.

Há necessidade de “descolonizar” os quadros legais

Outro desafio que caracteriza como sendo antigo é apelidado de “descolonização do desenvolvimento”, ou seja, a adopção do quadro legal colonial para criar as leis ou regulamentos nos dias que correm.

“A descolonização do desenvolvimento é essencial, qual é o quadro orientador que usamos para decidir o que é importante? Quem promoveu o Fundo Soberano é aquele que promoveu o quadro colonial de extracção dos recursos, e é nesse quadro que nós desenhamos o nosso Fundo Soberano”, afirmou, acrescentando a necessidade de sair do desenvolvimento cíclico, para além de se incluir mais recursos que vão dar vida ao FSM.

“Já pensámos que esse Fundo Soberano que é baseado no gás poderá a qualquer momento sofrer um reverso quando o mundo decidir que não há mais investimento para o gás?”.

Nepotismo no MEF

Por sua vez, a activista social, Fátima Mimbire, fez saber da necessidade de se contratar os gestores externos desse fundo por via de concurso público, que no entender dela irá garantir transparência e responsabilização. Mimbire denunciou a ocorrência de “nepotismo” no MEF.

“O MEF deu um avanço muito grande ao estabelecer aqueles que são os requisitos, mas continua a haver excessivo poder discricionário por parte do ministro, de escolher na base dos requisitos que a lei estabelece quem dos meus amigos reúne esses requisitos, depois apresentar uma proposta ao Conselho dos Ministros, e estes aprovar”.

A activista questiona ainda a idoneidade das pessoas que serão contratadas pelo Banco Central para a gerência desse fundo. “A lei diz que o Fundo Soberano tem uma gestão separada do Banco de Moçambique, vai se criar uma gestão para tal. A questão que se coloca é: como é que o Banco de Moçambique está a se reestruturar para ter essa autoridade dedicada? Como é que as pessoas que serão responsáveis pela gestão do Fundo vão ser nomeadas ou indicadas? Quais são os critérios?”.

Os 2,75% e o PESOE

Num outro painel que discutiu a partilha equitativa de benefícios com as comunidades locais, olhando especialmente para o compromisso Governamental de 2022 no âmbito do Pacote de Aceleração Económica, em que determina-se a alocação de 10% das receitas fiscais de recursos naturais para as províncias onde a extracção decorre, sendo que nesta percentagem 2,75% fica para melhorar a vida das populações locais, o economista Egas Daniel apontou a inclusão e priorização como um dos mecanismos para se ultrapassar os problemas ligados ao retorno da exploração.

Egas Daniel falou da necessidade de se distribuir o valor em função das prioridades das comunidades, para além da separação dos planos de desenvolvimento das comunidades do PESOE: “Esse valor, os 2,75% mais a percentagem equacional que vai dar 10% tinha que ser alocado para projectos que realmente iam se traduzir em desenvolvimento local. Não se está a dizer que o plano do Governo não promove o desenvolvimento local, mas se está a dizer que a forma de financiamento do PESOE e de qualquer plano Governamental a nível local não depende deste valor que vem dos 2,75%. Para além de se discutir os benefícios da exploração, pega-se o valor e aloca-se as prioridades que estão no PESOE”.

Já o vice-presidente da Associação Geológica Mineira de Moçambique, Gil Aníbal, afirmou ainda no mesmo painel que a comunicação feita para a alocação dos 2,75% é muito complexa: “Este mecanismo de comunicação dos 2,75% às vezes não é eficiente, é lento e problemático, no sentido em que as alocações chegam muito tarde na comunidade”, sugerindo que, “Seria simples que ao nível do distrito, o Governo abrisse uma conta em que a empresa canalizasse os 2,75% para o distrito e o distrito canalizasse para o conselho comunitário local. Então, este método é muito rápido e eficiente”.

TA assegura a fiscalização dos gestores do FSM

Questionado sobre a capacidade de fazer a fiscalização deste Fundo, sendo a instituição incumbida de realizar esta actividade, o representante do Tribunal Administrativo (TA), Sousa Massingue, assegurou a capacidade de fiscalizar do gestor operacional o BdM e global, o Governo nas matérias relativas ao FSM, todavia, considerou que “ainda é uma matéria nova, então a capacitação interna para essa fiscalização”.

“O TA tem capacidade e tem vindo a demonstrar isso, a sua capacidade fiscalizadora em função dos resultados que tem apresentado anualmente em várias vertentes, desde os relatórios da conta geral do Estado, das auditorias que faz às entidades públicas, que culmina na responsabilização quando se verifica uma infracção financeira”.

Por sua vez, o representante do Instituto Nacional de Petróleo (INP) confirmou que as concessionárias responsáveis pela exploração destes recursos têm cumprido com as suas obrigações, porém chama a necessidade de reforçar o cumprimento das leis ligadas a essas matérias.

Texto extraído na edição 116 do Jornal Dossier económico

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