O apetite pelo ouro na província de Manica está a levar agentes do Estado, como a Polícia da República de Moçambique (PRM) e a Direcção Provincial de Migração, a envolverem-se em acções ilícitas e surpreendentes. Recentemente, foram registados casos em que os responsáveis pela fiscalização e segurança têm sido os próprios protagonistas de actividades criminosas, motivados pela ganância associada ao ouro.
Texto: António Cumbane
Na semana passada, dois agentes armados da PRM invadiram uma mina de ouro no distrito de Manica. Durante o ataque, roubaram mais de 150 mil meticais e balearam friamente dois homens da segurança, que continuam internados no hospital local, com um deles em estado crítico devido aos ferimentos graves causados pelos tiros. Os agentes abandonaram o seu posto numa instalação de mineração privada e partiram para cometer o roubo noutra.
Este acto chocante ocorreu numa área rica em mineração artesanal, onde se estima haver grande circulação de dinheiro devido ao fluxo de pessoas de diversas regiões do País. O apetite insaciável pelo ouro transformou a região numa espécie de “Velho Oeste”, onde até mesmo aqueles que deveriam proteger a lei se tornam criminosos.
A PRM, apesar de não comentar oficialmente sobre o caso, confirmou a detenção dos dois agentes, que utilizaram armas do Estado para o assalto. Este incidente ressalta o crescente problema de cobiça pelo ouro na região, que tem atraído até mesmo os que deveriam proteger a lei.
Extorsão por agentes de migração
Não é apenas a polícia que tem-se envolvido em escândalos relacionados ao ouro. Sete agentes da Direcção Provincial de Migração de Manica foram detidos recentemente numa mina, sob a acusação de tentativa de extorsão. O grupo tentou extorquir o proprietário da mina, um cidadão chinês, numa operação que não surtiu efeito devido a denúncias oportunas.
A mina em questão está localizada do lado do Zimbabwe, o que levou a uma complexa negociação para a libertação dos agentes retidos. Durante a abordagem, os agentes de migração, disfarçados de fiscais, exigiram subornos para não reportar irregularidades. O proprietário da mina, alertado por um informante, prontamente notificou as autoridades locais, resultando na captura dos agentes.
Apesar de a Direcção Provincial de Migração o confirmar o episódio, os detalhes permanecem escassos, já que o caso está sob investigação. Este incidente levanta questões sobre a ética e a integridade dos agentes do Estado na região. As tentativas de suborno e extorsão por parte de funcionários públicos revelam uma preocupante falta de moralidade e corrupção sistemática dentro das instituições responsáveis pela fiscalização e segurança.
Os impactos nefastos da mineração artesanal
O ouro em Manica não atrai apenas a cobiça humana; ele também traz sérios riscos ambientais, conforme destaca Edson Raso, especialista em tecnologia mineira e meio ambiente. As práticas de mineração artesanal estão a causar danos significativos, especialmente na poluição dos rios devido ao uso de mercúrio.
Um estudo recente revelou níveis preocupantes de mercúrio no solo das regiões de Cacarue, Penhalonga, Fenda, Muenha, Mucurumadze e outras. Em Mucurumadze, por exemplo, a concentração de mercúrio é alarmantemente alta, alcançando 2,70 mg/kg de solo. O mercúrio é um produto químico utilizado pelos mineradores para extrair ouro, o que tem levado a graves problemas ambientais e de saúde.
As técnicas utilizadas na extracção artesanal são insustentáveis e representam uma ameaça iminente para o meio ambiente local. A mineração aluvionar, que envolve a lavagem do solo com água para separar o ouro, resulta na contaminação de cursos de água vitais, como o Rio Revue. Este rio, fundamental para o abastecimento de água da região e para a barragem Hidroeléctrica de Chicamba, está agora sob ameaça devido ao assoreamento e poluição causados pelo mercúrio.
Consequências sociais da mineração artesanal
A mineração artesanal em Manica não impacta apenas o meio ambiente; ela também traz efeitos sociais adversos. Crianças são frequentemente retiradas da escola para trabalhar nas minas, o que viola os seus direitos e afecta o seu desenvolvimento. Muitas famílias vêem o garimpo como a única fonte viável de sustento, o que resulta em uma força de trabalho infantil preocupante na região.
Além disso, os garimpeiros enfrentam riscos à saúde devido à inalação de fumos tóxicos durante o processo de queima de mercúrio. Este procedimento, conhecido como amalgamação, é utilizado para separar o ouro do minério, liberando vapores nocivos que podem causar doenças respiratórias graves e a longo prazo.
Edson Raso enfatiza a necessidade urgente de regulamentar a actividade de mineração artesanal para torná-la sustentável. “Não podemos simplesmente proibir o garimpo, pois muitas famílias dependem dele para sua subsistência. É preciso regularizar a actividade e introduzir novas técnicas de mineração que minimizem o impacto ambiental e protejam a saúde dos mineradores,” argumentou.
A falta de regulamentação e práticas inadequadas não só comprometem a saúde humana e o ambiente, como também põem em risco a produção agrícola na região. Muitos agricultores têm abandonado a agricultura em favor da mineração arte sanal, deixando campos outrora férteis ao abandono.
Ameaças ao Rio Revué
O Rio Revué, vital para a barragem Hidroeléctrica de Chicamba e para o abastecimento de água na região, está em perigo devido às práticas de mineração. O assoreamento elevado e a poluição ameaçam não só o curso de água, mas também as actividades agrícolas e económicas das comunidades locais.
Os níveis de assoreamento do Rio Revué são particularmente preocupantes. O leito do rio está a ser preenchido por sedimentos resultantes da mineração, o que compromete a qualidade da água e a capacidade de irrigação das áreas agrícolas adjacentes. Raso destaca que medidas urgentes são necessárias para mitigar os efeitos do garimpo e preservar este importante recurso hídrico.
“A actividade pecuária e agrária, fontes de rendimento das comunidades locais, também estão ameaçadas. A turbidez das águas está acima do normal e o aumento da deposição de material argiloso ao longo do rio está a deteriorar a qualidade da água,” observou Raso, alertando para a necessidade de intervenções rápidas para evitar um desastre ecológico.
O futuro da mineração em Manica
A situação em Manica exige uma abordagem equilibrada que considere tanto os impactos ambientais quanto as necessidades económicas das comunidades locais. Edson Raso sublinha a importância de desenvolver técnicas de mineração sustentáveis que possam minimizar os danos ao meio ambiente, garantindo ao mesmo tempo que as comunidades possam continuar a beneficiar-se dos recursos naturais da região.
O governo de Moçambique tem levado a cabo um conjunto de medidas com vista a travar esta situação, mas ainda há muito a ser feito. As autoridades devem implementar regulamentações mais rigorosas e promover práticas de mineração responsáveis que protejam tanto as pessoas quanto o ambiente.