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O diabo anda à solta na Manhiça

Foto: Mundo de viagens

É simplesmente incrível, inarrável, incompreensível e inexplicável o terror que se vive no distrito da Manhiça, situado no norte da província de Maputo. A região vem se tornando um verdadeiro corredor da morte, e o seu solo é, com uma frequência incomum, regado de sangue de inocentes.

 

A realidade é ainda mais assustadora se pensarmos que, na verdade, já dura há várias décadas, desde os tempos do conflito armado, que durou 16 anos, opondo os guerrilheiros da Renamo ao exército moçambicano.

Manhiça foi um dos distritos que mais sangue de cidadãos inocentes viu ser derramado, em resultado dos frequentes ataques que ocorriam no corredor daquele distrito, concretamente nas regiões de Palmeira, 3 de Fevereiro, Taninga, Maluana, e, de quando em vez, na zona de Maoxa homo.

 

Ao longo desse período triste, da história de Moçambique, várias centenas de pessoas foram mortas e até carbonizadas naquela região. Tantas outras contraíram lesões das quais nunca se recuperaram, tendo ficado mutiladas para o resto das suas vidas.

 

Tal como a maioria dos distritos de Moçambique, Manhiça está livre do calvário da guerra, mas, a avaliar pela quantidade de sangue que vai sendo derramado naquelas terras, até se pode pensar que continua a ser palco deste fenómeno – a guerra – que, nas palavras sábias de Erich Hartman, é um lugar onde jovens que não se conhecem e não se odeiam se matam entre si, por decisão de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não se matam.

Nos dias que correm, a carnificina que antes era promovida pela guerra resulta maioritariamente de acidentes de viação, como se pôde testemunhar ainda na semana finda, quando um sinistro envolvendo um veículo de transporte semi-colectivo de passageiros e um camião de carga levou à morte sete pessoas, deixando outras seis feridas.

Notícias dessa natureza infelizmente deixaram de ser surpresa na Manhiça, dada a regularidade com que os acidentes ocorrem. Em finais de 2021, lembremo-nos de uma sequência de três acidentes que resultaram em 54 vítimas mortais. O mais grave envolveu um autocarro de transporte de longo curso e tirou a vida de 30 pessoas, o que levou a que o Governo se decidisse pela criação de uma Comissão de Inquérito que determinou “erro humano” como tendo sido a causa do sinistro.

Embora não se ignorem outras possíveis causas, o problema na origem dos sangrentos acidentes na Manhiça parece ser sobretudo de comportamento, até porque em muitos casos constata-se que os motoristas se excedem na velocidade, possuídos por um demónio que insiste em anular todos os esforços de sensibilização levados a cabo pelo Governo e pela sociedade civil.

As autoridades, especialmente as da província, não sossegaram e até chegaram a organizar, juntamente com os líderes religiosos e tradicionais, uma cerimónia de invocação de espíritos, na esperança de estancar o problema.

A verdade é que parece não ter resultado, pois a imprudência dos automobilistas continua, numa estrada que até é relativamente larga e cujo asfalto não está propriamente inquinado de muitos buracos.

Entretanto, o diabo que atormenta Manhiça está longe de limitar a sua acção nas estradas. Nesse ponto do país, são também frequentes manifestações violentas de trabalhadores das Açucareiras de Xinavane e Maragra, com consequências nefastas. Em Fevereiro deste ano, houve registo de confrontos entre trabalhadores da Açucareira de Xinavane, detida pela Tonghaat, e a polícia, tendo os primeiros incendiado casas, carros e invadido a esquadra local.

Também salta à vista um episódio lamentável ocorrido em Dezembro de 2021, quando um grupo de assaltantes invadiu a residência oficial da juíza do tribunal distrital e manteve-a refém, juntamente com a sua família, durante dois dias, numa autêntica afronta ao Estado e aos valores ético-morais nos quais se alicerça a sociedade moçambicana.

Já na semana passada, testemunhámos o macabro enterro de cidadãos vivos, supostamente perpetrado por integrantes da comunidade, em mais um acto que convoca-nos a uma reflexão colectiva sobre o rumo que queremos tomar – se queremos avançar ou recuar aos tempos que predominava a lei do mais forte.

O diabo anda à solta na Manhiça e mais terá de ser feito para restaurar a normalidade naquela região. A educação/sensibilização continua a ser uma das melhores armas para vencer. Chega de tanto sangue e de relatórios do Governo que maioritariamente retratam mortes e outros tipos de males.

 

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