Moçambique continua a ser um dos países de África onde a consolidação da democracia segue a um ritmo lento e com retrocessos à mistura. São disso prova os processos eleitorais quase sempre eivados de irregularidades e as perseguições políticas de que são alvos agentes e funcionários do Estado que apoiam os partidos da oposição. No que diz respeito ao segundo fenómeno, o caso mais recente registou-se na cidade de Vilankulo, norte da província de Inhambane, onde sete professores foram transferidos da cidade para lugares longínquos, alguns dos quais a cerca de 100 quilómetros do anterior posto de trabalho, alegadamente por terem apoiado a Renamo nas últimas eleições autárquicas. Preocupada com a situação, a Associação Nacional dos Professores (ANAPRO) deslocou-se a Inhambane para, junto a Direcção Provincial da Educação e Desenvolvimento Humano, obter esclarecimentos.
Texto: Anastácio Chirrute, em Inhambane
A recente transferência de sete professores da cidade e distrito de Vilankulo mexeu com a ANAPRO, organização recém-criada, mas já com mais de 20 mil membros. Como tal, os líderes da mesma deslocaram-se à província de Inhambane para obterem esclarecimentos em torno da medida da Direcção dos Serviços Distritais de Educação, Juventude e Tecnologia de Vilankulo, que, na sua opinião, configura uma ilegalidade.
A ilegalidade das transferências reside, de acordo com a ANAPRO, no facto de os transferidos terem sido enviados para além de 100 quilómetros de distância. Sendo assim, a agremiação diz que cabe à Direcção Provincial da Educação esclarecer o que efectivamente teria embasado a tomada desta decisão. É que a ANAPRO tem dificuldade de digerir as transferências, visto que, segundo a agremiação, deixam défice de professores em Vilankulo. Por outro lado, os abrangidos são membros da associação, o que gera a ideia de perseguição.
“Aqui em Inhambane, temos a situação mais gritante, que é de Vilankulo, mas também na Maxixe, concretamente na Escola Secundária de Chambone, temos alguns professores na mesma situação, sendo certe que este problema acontece em outros cantos do país”, disse o porta-voz da ANAPRO, Marcos Mulima.
Direcção Provincial promete averiguar
Confrontada pela ANAPRO, a Direcção Provincial da Educação explicou que, no âmbito da descentralização, as direcções distritais têm autonomia para transferir os seus quadros, disse ao Dossiers & Factos o porta-voz Marcos Mulima. Ainda assim, ainda estamos a citar a mesma fonte, a Direcção Provincial terá prometido deslocar-se à Vilankulo para se inteirar das motivações das polémicas transferências.
Independentemente da resposta a ser obtida pela Direcção Provincial, a ANAPRO já tirou as suas conclusões: as transferências são ilegais e tal facto deve ser corrigido com máxima urgência.
“É importante que a Direcção Provincial tome posicionamento, porque há muitas irregularidades que estão a acontecer. Por exemplo, ao sancionar uma transferência dessa natureza, tem que perceber se esse professor já tinha sido informado sobre os actos administrativos ou lhe dado o subsídios de adaptação, o que é ainda mais relevante numa situação em que o salário que este professor aufere já é miserável. Há que ver se essas transferências impactam ou não na vida do professor, até olhando para possíveis custos adicionais. Mas também, há situações de natureza pedagógica, em que o professor é transferido e chega ao terreno já frustrado. Como é que este professor vai executar o processo de ensino e aprendizagem? E não só, ele [o professor transferido] deixa uma lacuna na escola de onde sai. Há muitas irregularidades, mas queremos acreditar que a Direcção Provincial há-de cumprir com o que se comprometeu a fazer”, dissecou a fonte.
Uma gota no oceano
Transferências arbitrárias e ilegais tiram sono à ANAPRO, que apela às autoridades do sector da Educação a todos os níveis a travarem o fenómeno e a executarem actos administrativos observando o que está plasmado na lei. A ANAPRO lembra que os professores são uma classe que lê e, portanto, conhecedora dos seus direitos. Garante que lutarão sempre pela sua observância, apesar de isso custar-lhes sevícias, quer nas escolas, quer nas direcções distritais.
“Nós estamos preocupados com este assunto e não só. Queremos melhor qualidade de ensino, mas para isso é preciso que os direitos dos professores sejam inteiramente respeitados. É necessário que se crie condições para que os professores possam trabalhar com dignidade”, exortou, antes de assegurar que a agremiação que representa não vai descansar antes de ver o seu caderno reivindicativo respondido favoravelmente.
O porta-voz da ANAPRO aproveitou a equipa de reportagem do Dossiers & Factos para abordar outra questão que preocupa a associação, que se prende com a persistência das salas-sombra, ou seja, turmas debaixo de árvores, o que faz com que, em dias de chuva ou alguma outra intempérie, as aulas sejam suspensas. Esta questão, diz a ANAPRO, até revela alguma falta de coerência nas posições do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH), nomeadamente quando é o mesmo pelouro que rejeita algumas escolas privadas por, alegadamente, não preencherem os requisitos para leccionar.
“A questão que se coloca é a seguinte: do mesmo jeito que a ministra de Educação tem a possibilidade de exigir a observância da legalidade em relação às escolas comunitárias, que o faça também em relação aos outros aspectos a nível da escola pública, como é o caso das horas extra-ordinárias”, defendeu.
De seguida, tentou desmontar a “alegação de que certas escolas cobram dinheiro” como argumento, fazendo notar que “não podemos olhar para aquilo que ganham, precisamos olhar para o lado bom, porque o que elas ganham não é suficiente para suprir as despesas que eles têm como escolas”. A fonte defende ainda que as autoridades “conversem com os seus gestores para que possam regularizar as suas escolas o mais rápido possível sem que isso implique o encerramento das mesmas, porque estaremos a prejudicar as crianças que precisam de estudar para realizar seus sonhos”
O contexto político
Transferências motivadas por razões políticas não são propriamente uma novidade em Moçambique, um País onde as instituições do Estado, escolas públicas incluídas, são dominadas pelo partido no poder. Desta vez, porém, chamam mais atenção depois do que sucedeu nas VI Eleições Autárquicas em Vilankulo.
Recorde-se que a cidade turística passou pela primeira vez na história para as mãos da Renamo, que contou com significativo apoio de funcionários públicos, entre eles professores, agastados com o regime do dia. Perante este contexto, as transferências são vistas em vários círculos como vingança, o que, a ser verdade, consubstancia um grave acto de intolerância política.