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Eleição de Lula: grande lição para Moçambique e Nyusi

Texto: Serôdio Towo

Luiz Inácio Lula da Silva, 35° Presidente do Brasil, governou aquele país da América Latina de Janeiro de 2003 a igual mês de 2011. Seu governo foi coroado de algumas políticas com certo impacto social e económico, sobretudo quando marcados pela consolidação de programas sociais, como, por exemplo, o Bolsa Família e o Fome Zero, ambos reconhecidos pela Organização das Nações Unidas como iniciativas que possibilitaram a saída do país do mapa da fome.

Durante os seus dois mandatos, Lula empreendeu reformas e mudanças radicais, que produziram transformações sociais e económicas no Brasil, resultando numa acumulação substancial de reservas internacionais, triplicando, deste modo, o seu Produto Interno Bruto (PIB) per capita.

Os índices de pobreza, a desigualdade, o analfabetismo, desemprego, a mortalidade e trabalho infantil reduziram significativamente. Enquanto isso, o salário mínimo e a renda média do trabalhador tiveram ganhos tangíveis e o acesso à escola, à universidade e ao atendimento de saúde notabilizaram-se pela sua expansão.

Na política externa, Lula desempenhou um papel de destaque, incluindo-se em actividades relacionadas com o programa nuclear do Irão, do aquecimento global, do Mercosul e do bloco do BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Lula foi considerado um dos políticos mais populares da história do Brasil e, enquanto Presidente, foi um dos mais populares do mundo.

Mas a popularidade de Lula, tanto no Brasil quanto no mundo, não terminou com o seu mandato em 2011. Vários episódios relacionados com Lula sucederam-se um ao outro, a começar pela nomeação pela sua sucessora Dilma Rousseff, em 2016, para o cargo de Ministro-chefe da Casa Civil, designação que foi suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal. Em 2017, foi condenado em primeira instância, no âmbito da Operação Lava Jato, pelo juiz federal Sérgio Moro, a nove anos e seis meses de prisão, por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, sendo preso em Abril de 2018, após confirmação da sentença em segunda instância.

Como consequência, teve indeferida a sua candidatura à Presidência da República nas eleições de 2018. Em Novembro de 2019, foi liberto por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), fundamentando que a execução das penas deve ocorrer somente com a sentença transitada em julgado. Nos anos seguintes, diferentes decisões da Suprema Corte anularam as suas condenações no processo Lava Jato e restauraram os seus direitos políticos, e o juiz Moro foi declarado incompetente e suspeito. Em 2022, Lula candidatou-se à Presidência da República pela sexta vez, sendo eleito na segunda volta, derrotando o candidato à reeleição, Jair Bolsonaro.

Esse percurso político de Lula da Silva é curioso e inusitado. Ora vejamos: por um lado, é um percurso coroado de êxitos e mais tarde de escândalos que, de certo modo, beliscaram a sua imagem.

Por outro, é um percurso carregado de lições que até devem servir de inspiração a Moçambique e, sobretudo, aos seus processos democráticos, principalmente no que concerne aos eleitorais, que nos últimos anos têm suscitado debates, associados, em parte, às eleições em si e, por outro, ao fim do ciclo de governação do actual Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi.

É que o presidente Nyusi está no seu segundo mandato como Presidente da República, pelo que, nos termos dispostos nos números 3, 4 e 5 do artigo 143º da Constituição da República de Moçambique, não é elegível para mais um mandato, neste caso, o terceiro de forma consecutiva.

Estabelecem as disposições acima referidas que: “3. O mandato do Presidente da República é de cinco anos”; “4. O Presidente da República só pode ser reeleito uma vez.”; “5. O Presidente da República que tenha sido eleito duas vezes consecutivas só pode candidatar-se a eleições presidenciais cinco anos após o último mandato”.

Trata-se de um comando constitucional directo, claro e que dispensa qualquer interpretação. Ou seja, o sentido e o alcance, se quisermos, a letra e o espírito da norma são claros. De facto, o Presidente Nyusi não pode candidatar-se a mais um mandato assim que terminar o presente, sendo que, para tal, precisaria de um intervalo de cinco anos.

É aí onde Lula, sua carreira política e Brasil são o melhor exemplo para o presidente Nyusi e todos os moçambicanos. A actualidade desta reflexão e o exemplo que nos norteia têm também a ver com a “época política” que se avizinha, começando pelas eleições autárquicas, marcadas para Outubro de 2023, e as gerais, marcadas para 2024. Todavia, até chegarmos lá, há um percurso pernicioso, imprevisível e, talvez, “turbulento” por trilhar.

 

A sucessão

Pelos cálculos que se podem efectuar, em Março de 2023, deverá ocorrer a sessão do Comité Central do Partido FRELIMO. Trata-se de uma sessão ordinária, como habitualmente acontece em outros anos. Porém, a sessão do Comité Central, a realizar-se em Março, tem uma particularidade que a distingue das outras sessões dos Marços passados. Sucede que, tratando-se da penúltima no consulado de Nyusi, como Presidente da República (a última será em Março de 2024), esta sessão, em princípio, deve discutir, dentre várias matérias, a eleição (indicação, conforme conveniente) do sucessor de Nyusi e, naturalmente, candidato às eleições presidenciais de 2024.

Foi mais ou menos assim com o próprio Nyusi, com algumas pequenas adaptações dos cenários e timings, em consonância com o lema dos “camaradas”, que diz que “a vitória prepara-se, a vitória organiza-se”.

Portanto, a julgar por este slogan, este é o cenário ideal, para permitir ao candidato que tenha tempo suficiente para a sua integração e aceitação nas bases, como o candidato da FRELIMO. Repito, este é o cenário “ideal”, para quem tem na agenda a vitória. Mas é preciso anotar que o cenário perfeito é que, até estas alturas, o partido tivesse já no horizonte o seu candidato ou mesmo conhecido, mas a tradição de que vai “ofuscar” o presidente em exercício não deixa os camaradas acompanharem a dinâmica da actualidade política.

E, então, o Lula, a que propósito o trago aqui?

Pela consciência e maturidade política, e por ironia do destino, Lula teve protagonismo que jogou a seu favor, na perspectiva de que obedeceu o ditame temporal da Constituição do Brasil no que concerne à limitação dos mandatos de presidente do Brasil.

A natureza humana prova que Lula é também um homem e imperfeito. Durante a sua presidência, cometeu erros que resultaram na turbulência da sua carreira. É preciso fazer constar que Lula teve tempo para resolver seus “pendentes” com a justiça, fora do protocolo, o que de certa forma testou a consistência do sistema da Justiça do Brasil.

É neste aspecto que encontramos semelhanças entre Moçambique e Brasil. De facto, o Presidente Nyusi tem uma nobre oportunidade de sair pela porta grande, pela qual entrou em 2015. Vozes a favor do terceiro mandato do nosso provável “futuro Lula” argumentam que ele precisa de mais algum tempo para terminar os seus projectos. Acho que é uma questão subjectiva, pois é preciso identificar os seus projectos e fazer uma avaliação para aferir se, efectivamente, os mesmos podem ser concluídos em mais cinco anos, sob risco deste processo se alongar infinitamente.

Penso que não. Os seus projectos serão concluídos pelo seu sucessor, assim como ele concluiu projectos do presidente Guebuza.

Em outra análise e pela analogia do percurso de Lula, vai ter que ficar fora da Ponta Vermelha nos cinco anos que se seguirem ao término do seu mandato. Nestes cinco anos, poderá, sem pressa, reavaliar a sua presidência, seus projectos e suas realizações e voltar em 2030 com lições bem estudadas para salvar o seu povo, seu único patrão.

E se tiver sido como Lula, que consentiu erros na sua governação, será nesses cinco anos que se dirigirá, pessoalmente, à justiça para resolver seus eventuais pendentes ou, não havendo, dissipar quaisquer dúvidas.

É sabido que não andou muito longe das dívidas ocultas, até porque foi inúmeras vezes citado no julgamento deste caso. Até 2030, eventualmente não será ele que quererá que o povo o queira, mas será o povo que quererá que ele queira, outorgando-lhe toda legitimidade de que precisa para que seja um verdadeiro “Lula” moçambicano.

Assim, evitamos agredir o sentido e espírito da democracia. Aliás, nisso pode muito bem seguir o exemplo de Vladimir Vladimirovich Putin e o seu peão Dmitry Anatolyevich Medvedev. E sai bem na fotografia, melhor que a do segundo mandato.

Melhor visita é aquela que conhece a hora e o momento da saída. Mais não opinei.

 

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