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APESAR DA REMINISCÊNCIA DAS VÉSPERAS DA I GRANDE GUERRA: Especialistas consideram pouco provável a III Guerra Mundial

A paz mundial parece estar deteriorada, com a ocorrência de alguns conflitos localizados e ou/regionais, aos quais se juntam tensões permanentes que fazem com que o recurso às armas paire no ar. Quer num, quer noutro caso, os protagonistas são sempre países alinhados a dois blocos antagónicos: a Organização do Tratado Atlântico Norte (NATO) e o eixo liderado pela Rússia e China. Esta configuração leva ao crescimento de temores de que se possa estar na iminência da Terceira Guerra Mundial, o que, na opinião de especialistas, é pouco provável, não obstante o cenário actual se assemelhe aos anos imediatamente anteriores a 1914, ano em que eclodiu a primeira grande guerra.

Texto: Amad Canda

Meses depois da entrada das tropas israelitas em Gaza, na Palestina, Israel dirigiu, a 01 de Abril, o primeiro ataque directo contra Irão, ao bombardear a embaixada de Teerão em Damasco, na Síria. Quando as primeiras notícias surgiram, quase que soavam a memes inventados para celebrar o dia da mentira, mas rapidamente a realidade aclarou-se: Israel tinha mesmo ousado visar directamente seu rival – até à data, limitara-se a dirigir ataques contra proxys do Irão no Líbano, Síria e Iémen. Esta atitude, justificada pela alegada presença no consulado de figuras associadas à Jihad Islâmica, Hezbollah e Hamas, foi o rastilho de pólvora para a escalada do conflito para um patamar regional, até porque Irão acabaria por responder, 13 dias depois, com uma inédita campanha de drones e mísseis balísticos, naquilo que constituiu uma espécie de aviso ao governo de Tel Aviv.

“Todos nós sabíamos que os mísseis iam levar cinco a seis horas até chegarem a Israel, o que mostra que era mesmo um aviso”, explica o especialista em relações internacionais Wilker Dias. No mesmo diapasão alinha Tobias Zacarias, que viu na resposta iraniana um “show off para mostrar ao mundo o que tem”, até porque, prossegue, “se quisesse atingir lugares mais sensíveis tê-lo ia feito”.

Na sequência, Israel ainda daria nova réplica mas sem grande ímpeto, o que Zacarias atribui a intervenção dos seus aliados, em particular os Estados Unidos da América (EUA), que terão obrigado o governo de Benjamin Netanyahu a abandonar seu plano de fazer um ataque “mais duro”, alertando para o risco de um grande conflito.

Apesar de os ânimos estarem mais serenos, Wilker Dias olha para a situação entre os dois países ainda com alguma cautela, lembrando que a “guerra diplomática” movida por Israel pode levar a nova escalada em termos militares.

Da indignação a mudanças geopolíticas

As confrontações directas entre o Irão e Israel vêm somar-se à guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que já tem mais de dois anos, e às tensões permanentes entre a China e o Taiwan. Olhando para a natureza dos protagonistas, salta à vista o seu alinhamento. É que Rússia, Irão e China constituem desafectos declarados dos EUA, que coincidentemente são o aliado número um dos seus adversários, Ucrânia, Israel e Taiwan. Aliás, a recente aprovação pelo Senado norte-americano de um pacote de 95 mil milhões de dólares para os três países é disso elucidativo.

Para Wilker Dias, não há dúvidas de que o que se está a viver é “consequência das políticas e acções ocidentais, que acabaram criando alterações no sistema internacional”. “Repare que, se formos a analisar, percebemos sem dificuldades que a própria guerra na Ucrânia foi provocada pelos EUA através da sua insistência na expansão da NATO em direcção às fronteiras da Rússia”, elucida.

Tobias Zacarias, por sua vez, recua ainda mais a fita para lembrar que o surgimento dos BRICS, grupo que este ano acolheu mais seis países, incluindo o Irão, é, de per si, uma resposta à hegemonia ocidental a que se vem assistindo desde a desintegração da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

“Os BRICS são o resultado do descontentamento deste conjunto de países face ao poderio e a preponderância dos países ocidentais. Estamos a falar do G7 (grupo das sete maiores economias do mundo). Sem a preponderância dos países ocidentais, duvido que teríamos os BRICS”, pontua o analista, que destaca o incómodo que a emergência de novos actores causa ao status quo.

“Se formos a ver, mesmo as narrativas americanas ou ocidentais têm estereótipos. Colocam a China, a Rússia ou o Irão como se fossem países de déspotas, que não respeitam direitos humanos. É claro que, em algum ponto, podem ter razão, mas a forma como as coisas são apresentadas é propaganda para não atrair mais países para o círculo daquelas potências”.

“Vivemos reminiscências de 1914”

Países como Rússia, Irão e Coreia do Norte, só para citar alguns exemplos, têm investindo fortemente na sua indústria bélica, acontecendo o mesmo do lado ocidental, com a NATO a intensificar a pressão sobre os países membros no sentido de destinarem 2% do seu Produto Interno Bruto (PIB) ao sector da Defesa. Este facto, associado ao decurso de conflitos militares isolados e regionais, transporta Tobias Zacarias a um cenário que o mundo viveu nos anos que antecederam imediatamente a Primeira Guerra Mundial.

“Antes da Primeira Guerra Mundial, houve alguns conflitos localizados, especialmente nos balcães. Houve algumas guerras entre a Rússia e o Japão. Para além desses conflitos localizados e regionais, houve entre as principais potências da Europa de então uma crispação generalizada pelo domínio das colónias em África, que levou a uma corrida armamentista, isto é, as principais potências começaram a comprar mais armas e a produzir muito material bélico. Isso fez com que surgisse aquilo que se chama paz armada. Havia paz na Europa, mas era uma paz constantemente ameaçada. Isso levou a criação de duas grandes alianças, a Tríplice Aliança, formada por Itália, Alemanha e o Império Áustro-Húngaro, e a Tríplice Entente, do Reino Unido, França, Rússia e, por extensão, EUA”.

“Tudo isso parece estar a repetir-se agora”, observa o estudioso de relações internacionais, que descreve os dias que correm como “uma reminiscência do que aconteceu antes da primeira guerra mundial”. Apesar das similaridades a que aponta, Tobias Zacarias não acredita que se possa resvalar para uma Terceira Guerra Mundial, até por estar convicto de que ninguém, nem mesmo as grandes potências, quer um conflito generalizado, ainda para mais numa era marcada pela proliferação de armas nucleares.

“Hoje em dia, EUA não querem ir à guerra directamente com a Rússia nem com a China, e vice-versa. Porque sabem que, com as armas nucleares, a destruição mútua está garantida”, garante, sem deixar de chamar atenção para a possibilidade de um eventual incidente alterar a mentalidade predominante.

A este propósito, aliás, lembra que um conflito generalizado era igualmente indesejável em 1914, mas acabou precipitado pelo atentado de Serajevo, que resultou no assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando pelo jovem bósnio Gravrilo Princip.

Também Wilker Dias não encontra evidências de que a Terceira Grande Guerra possa ter espaço, pelo menos não nos moldes tradicionais. “O que estamos a ver e certamente continuaremos a assistir são guerras por procuração, em que dois países se enfrentam em território neutro e envolvendo outros actores, a quem enviam apoio bélico, logística, dão inteligência, etc”.

“Palestina não reúne condições para integrar a ONU”

Com Tobias Zacarias e Wilker Dias houve espaço também para analisar a recente tentativa de ver Palestina tornar-se membro de pleno direito da Organização das Nações Unidas, o que levou a votação a nível do Conselho de Segurança.

Apesar de ter reunido a esmagadora maioria dos votos, Palestina esbarrou no veto dos EUA, aliados de Israel, numa decisão tida por Tobias Zacarias como correcta a luz da lei. “Para ser membro de pleno direito da ONU é preciso preencher uma série de requisitos. Um deles é ter um estado funcional, com Governo. Palestina não tem isso nesse momento”, aponta o analista, acrescentando que a maioria poderá ter votado movida pelas emoções em face da chacina protagonizada por Israel na Faixa de Gaza.

Para Dias, EUA sempre vão proteger os interesses de Israel, sendo que o maior deles é inviabilizar a criação do Estado Palestino, o que tornaria mais difícil a concretização do desiderato de tomar mais terras palestinas.

Texto extraído na edição 558 do jornal Dossiers & Factos

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