A imprensa moçambicana sofreu um duro golpe na madrugada da última quinta-feira, 14 de Dezembro, com o assassinato do experiente jornalista João Chamusse, director editorial do semanário Ponto por Ponto. O episódio, abominável sob todas as perspectivas, chocou não só a classe jornalística, mas também a sociedade em geral, que subitamente se esqueceu dos escândalos relacionados com as eleições autárquicas. Mera coincidência ou estratégia?
Texto: Dossiers & Factos
No dia 11 de Outubro do presente ano, o País assistiu a realização das VI Eleições Autárquicas da sua história democrática. Porque envolto em polémicas, com acusações de fraude, violência policial e recursos em tribunais, o escrutínio transformou-se numa pauta permanente dos órgãos de comunicação social e, por conseguinte, da sociedade no seu todo.
Se a frequência e paixão com que o tema “eleições” é debatido em praça pública chegaram a reduzir depois da leitura do acórdão do Conselho Constitucional, o certo é que a tópico voltou às parangonas desde o passado 10 de Dezembro, dia em que foram repetidas as eleições nos municípios de Milange (Zambézia), Guruè (Zambézia), Marromeu (Sofala) e Nacala-Porto (Nampula).
Grosso modo, a sociedade moçambicana considera que o processo ficou marcado pelas mesmas irregularidades que caracterizaram o 11 de Outubro, com duras críticas aos já descredibilizados órgãos eleitorais e à Frelimo, vista por muitos como mentora e beneficiária das alegadas fraudes eleitorais, o que corrói sobremaneira a imagem do partido e dos seus principais dirigentes.
Borracha na memória colectiva
Subitamente, entretanto, o capítulo das eleições “desapareceu” do debate público e das conversas do dia-a-dia nas famílias, bares e restaurantes. O facto está inevitavelmente associado ao vergonhoso assassinato de João Chamusse, decano do jornalismo moçambicano que, nos últimos tempos, tornou-se popular por conta da sua participação, como comentador residente, no programa “Quarto Poder”, da Televisão Sucesso.
Chamusse, cujos restos mortais foram a enterrar no sábado, 16 de Dezembro, foi morto na madrugada de quinta-feira, 14 de Dezembro, na sua própria residência no Distrito Municipal KaTembe, na cidade de Maputo. Seu corpo foi encontrado estatelado no chão com sinais de agressão na cabeça. O autor do crime apoderou-se também dos seus telemóveis e computador.
Entretanto, num caso raro de celeridade, a Polícia da República de Moçambique (PRM) apresentou, no sábado, o presumível suspeito do assassinato, por sinal vizinho da vítima. Segundo revelou a polícia, o referido suspeito terá resolvido matar o escriba por já “não suportar o volume alto” dos seus aparelhos sonoros.
A narrativa parece não convencer a muitos sectores da sociedade, com alguns a verem nela uma tentativa de afastar “teorias de conspiração” que associem o assassinato ao trabalho que Chamusse vinha exercendo, especialmente na televisão, onde tecia duras críticas ao Governo do dia.
De resto, há quem faça questão de lembrar que, aquando do assassinato do constitucionalista Giles Cistac, a polícia também apressou-se a apresentar suspeitos dos quais, 10 anos depois, nunca se ouviu falar.
Coincidência ou estratégia?
Se é um facto que o macabro assassinato de João Chamusse ofuscou o debate sobre as eleições autárquicas, difícil é perceber se tal foi meticulosamente planeado – o que, em tese, confirmaria existência de ligações políticas – ou foi mera coincidência.
A verdade, porém, é que é comum, no mundo da política, o recurso a estratégias de manipulação para tirar o foco de determinados factos e evitar debates desconfortáveis. Entre as estratégias, a de distracção é a mais usada.
De acordo com o linguista, filósofo e cientista cognitivo Noam Chomsky, esta estratégia visa “manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais”. Sabe-se que, geralmente, os estrategas recorrem a invenção de factos fúteis para “entreter” o público e desviá-lo do essencial, mas acontecimentos trágicos e chocantes, como é o caso de assassinatos, parecem ter o mesmo efeito.
Indignação generalizada
O assassinato de João Chamusse gerou natural indignação na sociedade, especialmente a nível da comunicação social. “Chocado”, o MISA Moçambique condenou o acto nos “termos mais veementes”, instando as autoridades competentes “a investigar e esclarecer, o mais rapidamente possível, este acto que choca o país e o mundo”.
A agremiação, que convocou marcha de protesto para esta segunda-feira (hoje, 18 de Dezembro), lembra que o País tem sido palco de frequentes ataques a jornalistas, sem que nunca sejam identificados e punidos os responsáveis.
“O Estado moçambicano não quererá carregar mais um fardo de assassinato de um jornalista, por isso, a forma que tem de afastar essas suspeitas é de esclarecer, com urgência, este crime público, que não carece de denúncia, levando seus actores, materiais e morais, a Tribunal. O MISA termina endereçando uma mensagem de condolências à família, colegas e amigos de João Chamusse e a toda a classe jornalística por este acontecimento bárbaro”, lê-se no comunicado emitido pela organização.
No mesmo diapasão alinha o Centro de Jornalismo Investigativo, que exige o “o rápido esclarecimento do assassinato” de um jornalista que “que participou na luta pela afirmação das liberdades de imprensa e de expressão”.
Já o Sindicato Nacional de Jornalistas (SNJ) optou por uma retórica “branda”, limitando-se a endereçar “os mais sentidos pêsames” à família enlutada e aos colegas. Não há, no comunicado do SNJ, uma única linha que repudie ou exija responsabilização dos autores do crime.