Texto: Kátia Patricília Agostinho, Economista*
A Covid-19 e a guerra entre a Rússia e a Ucrânia apenas colocam em evidência um problema antes diagnosticado, e que faz com que, mesmo com as inúmeras iniciativas, tais como programas de desenvolvimento e estratégias sectoriais de vária ordem, estejamos ainda longe de vê-lo resolvido.
Veja-se que Moçambique está demasiado vulnerável aos choques externos devido à (1) dependência das importações, aliada aos problemas nas cadeias de valor importantes, e ao (2) domínio de capitais estrangeiros em diferentes sectores produtivos, que resulta na diluição do impacto a nível local, tornando-o ínfimo.
Embora estes sejam os efeitos naturais da globalização, um processo do qual não se pode ficar à margem, é necessário evitar a perpetuação da dependência. Por conseguinte, Moçambique deve investir nos seus pontos fortes, que vão para além do gás e petróleo, que são o foco do momento e são de extrema relevância. Há que impulsionar a agricultura, tomando vantagem da extensa terra arável, localização geográfica privilegiada e abundância de recursos como água e energia. Só fomentando a produção interna, teremos um incremento nas exportações e na actividade económica do país como um todo, resultando em mais postos de emprego.
Neste momento, temos uma agricultura rudimentar, focada na sobrevivência da maioria de dois terços dos moçambicanos pobres que vivem nas zonas rurais. Alguns, é certo, envidam esforços para transformar a agricultura de subsistência em comercial, de forma a aproveitarem a oportunidade de alimentar variadas cadeias de valor agrícola, que recebem investimentos geralmente de capital estrangeiro e, por sua vez, alimentam mercados internacionais como o resto de África, Europa e Ásia.
Este fenómeno alastra-se para outros sectores, como o exemplo da construção civil, que é dominada por capitais Português e chinês; do comércio transfronteiriços, que depende consideravelmente de importações da China, África do Sul entre outros pontos; do financeiro/bancário (um dos mais lucrativos da economia nacional), em que predominam capitais portugueses e sul-africanos; e do sector turístico, em que é predominante o capital Sul-africano.
É raro ver Moçambicanos a liderarem iniciativas posicionadas em estágios mais avançados das cadeias de valor, como processamento e exportação, principalmente nos sectores agrícola e de recursos naturais. Por exemplo, e voltando ao sector agrícola, estima-se que os pequenos produtores que praticam a agricultura de subsistência familiar sejam responsáveis por cerca de 97% da produção do arroz, enquanto que o remanescente corresponde à produção comercial, concentrando-se em zonas específicas dos regadios.
O impacto disso é que os ganhos do valor acrescentado, decorrentes do processamento destes produtos, raramente ficam em Moçambique. Quase não se verifica o reinvestimento dos lucros em Moçambique, ou seja, este capital acaba repatriado para os países de origem dos investidores, após cumprirem as suas obrigações fiscais.
Podemos enumerar, na nossa argumentação, a geração de emprego para os moçambicanos e as oportunidades de desenvolvimento do conteúdo local para as Micro, Pequenas e Médias Empresas, mas rapidamente também verificamos que o seu impacto não tem sido o desejado. Portanto, antes, deveríamos assegurar que estes postos de empregos oferecessem as condições e remunerações necessárias para as pessoas saírem dos níveis extremos de pobreza, que o conhecimento é transferido, aumentando a capacidade do capital humano local, também a nível das PMEs, para que estas possam aproveitar as oportunidades de negócio com as multinacionais, que têm maior capacidade de investir em negócios de grande porte.
No sector turístico, é como se o potencial dos mais de 2000km de costa estivesse a passar ao lado dos cidadãos locais, dada a predominância de investimentos de capital estrangeiro. Esta situação pode ser causada pela limitada capacidade do capital humano que temos e também pelas limitações de acesso aos recursos de que os moçambicanos precisam para investir, principalmente em oportunidades de negócios que carecem de somas elevadas como investimento inicial. O capital humano moçambicano abunda no sector informal do comércio à retalho.
Contudo, as informações contradizem-se. Por um lado, estas apontam que a maioria das famílias em Moçambique enfrenta actualmente, em 2022, insegurança alimentar aguda – são famílias com quase nenhum recurso para comprar alimento e têm que procurar formas de sobrevivência. Por outro lado, é possível acompanhar anúncios de investimentos de milhões no agronegócio que levantam expectativas sobre a melhoria da situação da segurança alimentar das famílias. Aliado a isso, também foi recentemente anunciado que no, que diz ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Moçambique situa-se entre os 10 piores países do mundo. Por fim, a desaceleração da economia, decorrente dos efeitos negativos da Covid-19, pode não estar a afectar muito negativamente as multinacionais, como, por exemplo, o sector financeiro, que já verifica alguma recuperação pós-pandemia, quando comparado com as MPMEs a nível local.
Na agricultura, precisamos de eliminar a situação de insegurança alimentar através de práticas e políticas sustentáveis, da inclusão e incentivos para aumentar a participação de moçambicanos em diferentes estágios de importantes cadeias de valor, gerando maior rendimento para as famílias e, ao mesmo tempo, melhorar a nossa competitividade numa era globalizada. Isto permitirá que a substituição das importações e redução da vulnerabilidade do país tornem-se efectivas.
*Kátia Patricília Agostinho assina a coluna “Economicamente Falando”, do semanário Dossier Económico